Christine and the Queens não é uma estrela pop convencional. Nosso herói francês sabe navegar entre as baladas perfeitas e o funk oitentista dançante, mas se havia alguma dúvida de quem Redcar (ou Chris) realmente é nessa indústria, o trabalho ousado em PARANOÏA, ANGELS, TRUE LOVE responde definitivamente. 

O quarto álbum de estúdio do cantor e compositor será lançado nesta sexta-feira, 09 de junho, e chega como a continuação conceitual de Redcar les adorables étoiles (2022) que, apesar de gravado depois, serviu de ótima introdução a essa jornada de um poeta em conflito com os anjos. Assim como os shows mais recentes mostraram, inclusive na passagem pelo Brasil no C6 Fest, em maio, a música de Christine and The Queens não é apenas sobre a experiência sonora, mas uma peça complexa e comprometida com as emoções.

Christine and The Queens lança 'PARANOIA, ANGELS, TRUE LOVE'
Christine and The Queens lança ‘PARANOIA, ANGELS, TRUE LOVE’. Crédito: Divulgação

Mesmo com singles palatáveis ao público pop mainstream, com “Tears can be soft” e “True Love”, e a participação de Madonna em três faixas do tracklist, Christine and the Queens se afasta completamente da sonoridade mais comercial do álbum Chris (2018) e mergulha de corpo e alma na própria poesia, em um movimento de comprometimento artístico que rendeu sérios conflitos com a gravadora nos últimos anos.

Nascido do luto de Redcar após a morte repentina da mãe, a saudade pungente citada em tantas canções, o disco é organizado em três atos: a paranoia pós-luto, a busca pelos anjos e o amor verdadeiro, em um ciclo cujas as etapas se confundem e misturam. Carregado de sintetizadores e movimentos grandiosos de ópera rock em 20 faixas, PARANOÏA, ANGELS, TRUE LOVE é uma odisseia pelo âmago da vulnerabilidade e força do artista, como um grito de liberdade que finalmente é externado, buscando redenção sem a intenção de se fazer entender, unindo sagrado e profano, sublimidade e loucura.

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Foi justamente essa insanidade genial que convenceu Madonna a participar do projeto como uma atriz ao invés de cantora, encarnando o papel do Grande Olho, essa voz onipresente e de origem difusa. Depois de ouvir o conceito do projeto em uma chamada de FaceTime, a Rainha do Pop foi convidada para “ser uma atriz nesse musical estranho”, como Redcar contou em entrevista à NME. A resposta foi sincera: “Você é louco. Vou fazer!”

Nessa terra onírica e altamente mutável, o ato PARANOÏA tem uma atmosfera obscura, a começar por “Overture”. Na abertura do disco, sintetizadores contrastam com vozes angelicais, mas as melodias menores e acordes descendentes confundem sonho e pesadelo. Mesmo em faixas mais minimalistas, como “Marvin descending”, orquestradas como música clássica, no caso de “Full of Life”, ou até mesmo na viscosa e sensual “Angels crying in my bed”, a nota de tensão está sempre presente. A primeira parte chega ao fim com “Track 10”, com absurdos 11 minutos de duração – a música mais longa da carreira de Christine and the Queens – e o ritmo de uma marcha rumo ao duelo com os próprios sentimentos.

A chegada do segundo ato, ANGELS, traz uma nova abertura: na segunda “Overture”, na qual o produtor Mike Dean é creditado como parceiro, existe o prenúncio de um amanhecer de tons metálicos, mas as notas de dor e confusão ainda estão ali, destoantes e pertencentes ao mesmo tempo. Ao som de guitarras chorosas, o apelo rock mais dramático de Christine and The Queens ganha força nesse trecho do álbum, de “He’s been shining forever, your son” a “Let me touch you once”, mas também há espaço para a beleza triste das baladas em “Flowery days”.

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Então, a parte final do ciclo chega com TRUE LOVE, o segmento mais pop do disco, mas nem por isso mais simples ou menos pertencente aos sentimentos já evocados até aqui. Feita para as experimentações ao vivo, “Shine” marca a divisão de atos com vocais viscerais e uma nova onda de loucura, logo aliviada pela etérea “We have to be friends”, um sentimento que continua em “Lick the light out” até a voz de Madonna surgir, quebrando a delicadeza com suas verdades ditas. Com equilíbrio entre tantos estados explorados na jornada, a faixa final “Big Eye” parece caminhar para a redenção, ascendendo lentamente.

Aqui e ali no disco, existem as canções mais confortáveis, por assim dizer, capazes de reunir elementos de todas as eras de Christine and The Queens com segurança e inovação suficientes. “Aimer puis vivre” começa com teclados hipnóticos e ritmo contagiante, “I feel like an angel” é o abraço das melodias da voz brilhante de Redcar.

Christine and the Queens se apresenta com show de 'Redcar les adorables etoiles'
Christine and the Queens se apresenta com show de ‘Redcar les adorables etoiles’. Credito: Reproducao/Facebook

Quase um triplo em apenas duas dúzias de músicas, não é um álbum para ser escutado na lógica do streaming ou na expectativa de digeri-lo de uma única vez. Em PARANOÏA, ANGELS, TRUE LOVE, Christine and The Queens abre as portas de um teatro decorado por amor e sofrimento, entregando o trabalho mais intenso, desafiador e completo da carreira, em um disco conceitual como há tempos o pop presencia, nem mesmo entre sua ala mais artística. 

O álbum PARANOÏA, ANGELS, TRUE LOVE, de Christine and the Queens, será lançado nesta sexta-feira, 09 de junho, pela Universal Music Brasil. 

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