O que pode um CORPO SEM JUÍZO? Para Jup do Bairro, as dúvidas são muitas. E em seu primeiro EP, a questão e seu leque de possibilidades é traduzida nas composições e sonoramente, com diversos gêneros presentes no projeto com maestria.

BADSISTA [produtora do EP] e eu temos gostos musicais muito parecidos e logo quando começamos a produzir o disco eu queria que permeiasse as minhas referências atuais e antigas, que por sinal também eram as dela.” diz Jup em nota para o Mad Sound. “Durante a produção eu estava ouvindo tudo que curtia na adolescência como Korn, Slipknot, Runaways, Rage Against The Machine, Pitty, Luxúria e muitas vertentes rock nacional e internacional. Passei também por músicas e composições nostálgicas que ouvia desde criança como Nelson Gonçalves, Paulo Diniz, Elza Soares… Até chegar no hip-hop new school e o rap nacional que foram o berço da minha trajetória. Foi um desafio muito grande ingressar em melodias que fugiam do meu flow e dicção, estudei muito. Principalmente para esse álbum tivesse uma linearidade sonora contínua mesmo com tantos gêneros musicais diversos.”

A artista do Capão Redondo que percorre os palcos e telas do mundo ao lado de Linn da Quebrada como cantora, compositora, atriz, produtora e apresentadora do programa TransMissão, do Canal Brasil, pode apresentar no primeiro EP sua história, mas tem sua voz sendo ouvida devido o coletivo e para o mesmo.

“Toda a construção do EP foi levantada coletivamente. Desde o financiamento coletivo que levantei no ano passado até a pós produção. Acredito que seja preciso ir além das redes afetivas, precisamos torná-las efetivas: nos responsabilizamos pela criação e manutenção de imaginário, fortalecimento e avanço coletivo. Não acredito na representatividade una.’CORPO SEM JUÍZO’ não é só um EP biográfico, vai para além justamente por não terminar em mim. Mexo em minhas feridas abertas mas devolvo isso para ouvintes. A sonoridade também foi construída de forma coletiva”, diz Jup em nota.

Esse coletivo inclusive é explorado em diversas faixas do projeto, desde em suas colaborações com a produtora BADSISTA, Linn da Quebrada, Rico Dalasam, Mulambo e Deize Tigrona, até nas memórias descritas em faixas. Em especial, na terceira canção do EP, “PELO AMOR DE DEIZE”.

A faixa, que fala sobre a solidão e tristeza em meio dos pedidos “Levanta dessa cama pelo amor de Deize”, termina com uma gravação de voz emocionante entre Jup e Deize, “Se eu não puder te ajudar, eu arrumo alguém pra puder ajudar, entendeu?”, diz Jup no áudio. O desafio do cuidado da saúde mental em meio à resistência do dia-a-dia, não poderia ficar de fora da história de Jup.

“Participo de uma leva de artistas que que manifestam as dores causadas pelo sistema e estrutura através da arte.”, afirma Jup. “Não é fácil mexer nessas fragilidades, nessas memórias tão antigas mas ainda frescas. Meu exercício tem sido externar meus pensamento para que não seja única e exclusivamente externá-los, mas criar alternativas de ir além, levantar possíveis soluções. Uma delas é justamente tornar essa rede afetiva em efetiva, quando falo isso repetidamente é justamente para saber o que vem depois que degustarmos da criação de um amor que abranja outros corpos, o tesão em busca de outros desejos, como projetar saúde mental como um ato político entre a comunidade preta e trans/travesti. É ir para além de hashtags de que essas vidas importam, dar suporte físico, financeiro, psicológico, pra além do afetivo. Não é fácil, não é uma receita de bolo do Tudo Gostoso. Mas é um exercício urgente.”

Em “ALL YOU NEED IS LOVE”, o famoso título da canção dos Beatles se mantém como uma canção de amor, mas o físico, ganhando letras absolutamente inteligentes, divertidas e relacionáveis sobre os desejos de Jup, Linn e Rico.

O clipe da faixa ganha um tom futurista e misterioso, dirigido por Rodrigo de Carvalho, e se tornando um dos melhores vídeos do ano.

A composição de Jup continua se superando na fantástica “O CORRE”, com a artista apresenta a história de sua infância e adolescência e nos leva à uma grande viagem ao passado através de rimas precisas, engraçadas, mas verdadeiras.

“‘O CORRE’ é basicamente minha versão ‘The Fresh Princess Of Capão Redondo’, escrevi essa letra em uma única canetada. O EP é dividido por três estágios que transpassa um corpo: nascimento, vida e morte. Não necessariamente nesta ordem. E ‘O CORRE’ entra nessa transição como uma espécie de ‘juízo final’, onde olho pra minha trajetória entre dores e delícias e que foi possível e está sendo possível reverter essa estatística do corpo preto subalterno. É uma narração tragicômica de muitas e muitos jovens de periferia que fazem o corre de colocar comida na mesa mas reivindica sua autoestima, sua vaidade e que também quer ficar bonita, cheirosa, beijar umas bocas, comprar uns panos e principalmente sobreviver em meio o caos destinado a aquele corpo”, diz Jup.

Entre mortes e renascimentos, Jup do Bairro compartilha com o mundo, através de um dos melhores EPs do ano, sua arte periférica, seu corpo preto, seu amor e inspiração pelo coletivo, e sua história que esperamos que esteja só no começo de ser contada.