A calma e a beleza não vêm sempre em visões óbvias, às vezes, ela está intrínsica ao estranho, ao desconfortável e até ao obscuro. E quem tira essa teoria de letra, é Aldous Harding.
A neozelandesa, que se chamava Hannah Sian Topp, pegou o sobrenome artístico emprestado de seu padastro, mas, mesmo assim, não gostava de Hannah Harding, por parecer o nome de alguma cantora country, sem nenhum motivo em específico além de “parecer bonito na escrita”, Aldous Harding surgiu, como contou para o The Guardian.
Influenciada pela presença musical de sua mãe, a cantora folk canadense Lorina Harding, a artista sempre teve interesse musical desde pequena, mas nem sempre teve em mente a carreira de cantora como uma opção, achando que seria uma estrada um tanto quanto desastrosa. No entanto, foi descoberta enquanto passeava na rua pela musicista Anika Moa.
Em 2015, a artista lançou seu primeiro projeto, auto-intitulado, se apresentando para o mundo. Na época, Harding estava no começo de seus 20 anos (o boné na capa do EP denuncia tal fato), e como quase todo ínicio da fase jovem adulta, ela é delicada.
No caso da artista, envolvia muito álcool e até tomar ácido em igrejas. O momento totalmente não saudável reflete no som sombrio e nas letras chamando a morte para vir buscá-la, pois no inferno ela não terá nada a temer, como diz a faixa de abertura, “Stop Your Tears”.
A melancolia intensa refletida no vídeo da canção pode lembrar a série de vídeos batizada como A Odisséia, feita por Florence + The Machine para o álbum How Big, How Blue, How Beautiful, de 2015.
Em Party, álbum de 2017 (um pouco mais indie pop que o anterior), centra em um cenário pós guerra, ou seja, após o término de um relacionamento. Para isso, Aldous rejeita qualquer opinião alheia sobre um suposto sentimentalismo exarcerbado que as mulheres possuem.
Como? Deixando seus sentimentos transparecerem de modos mais nítidos e intensos, fazendo com quem a assistisse pudesse sentir na pele o que ela cantava, como visto na apresentação da faixa “Horizon”, no programa Later…with Jools Holland.
Ao mesmo tempo, em “Imagining My Man”, se permite cantar e mostrar a suavidade de se apaixonar, e fazer o exercício de não sacrificar por esse outro alguém que amamos, como falou para a NPR.
Para demonstrar isso visualmente, Harding opta por um clipe simples, um tanto quanto monótomo, dela mesmo dentro de um carro passeando pelas ruas, talvez uma analogia ao conteúdo da canção, “All my life (hey!) I’ve to fight to stay / You were right (yes!) love takes time, hey hey”, ela canta.
Ao mesmo tempo que oferece o “estranho” e o curioso, Aldous também mostra um lado mais usual e calmo. Afinal, quem não tem esses dois lados? Mas, mais do que isso, é exigido coragem para ser uma artista que se permite “ser” mais de uma única coisa.
Seu mais recente álbum, Designer (2019), era a gota que faltava na calma tempestade de Harding para ela levar suas nuvens para o resto do mundo.
Com uma sonoridade pop doce, seguindo os passos de seu antecessor, com as raízes e apresentações sempre atreladas com o obscuro e oe setranho, Aldous traz uma verdadeira brisa fresca para a indústria do indie pop, e é exatamente o que ela estava tentando fazer.
“Tudo que eu sempre quis fazer era algo interessante, tentando entender o que está faltando na música. Estou tentando manter sua atenção como uma pessoa notável fazendo algo notável.”, admitiu Harding em entrevista ao The Guardian. E ela com certeza está o fazendo.
No single de “The Barrel”, o doce som confunde uma letra um tanto quanto confusa, mas com pistas: ovos, criança. No entanto, a cantora não aceita expor o verdadeiro significado da canção, que os fãs acreditam se tratar sobre uma gravidez, ou, como a artista não possui filhos, de um aborto.
Tudo que Aldous oferece para os ouvintes é um clipe com suas características danças, e um chápeu branco gigante, um pouco Pharrell Williams, um pouco figurino bruxesco, fazendo o que faz de melhor: captar a atenção do público.
Na belíssima “Zoo Eyes”, Harding canta sobre estranhar a vida (no caso de Aldous, a vida como uma artista famosa), ao mesmo tempo que a amamos.
“I drove my inner child to a show / It talked all the way home”, a artista cita o assunto infância novamente, ao alimentar sua criança interior pelo que ela mais ama, a arte, a música. Mesmo tendo a música como seu emprego, o mundo da fama, opulência e artificialidade, parecem a atrapalhar de realmente aproveitar sua verdadeira paixão.
A conexão com a infância é nítida no clipe da faixa, em que Aldous surge como uma palhaça cantando em uma montanha.
Além de sua sonoridade bela, delicada, e feita com maestria, Aldous Harding apresenta ser uma artista a ser admirada em todos os sentidos, entendendo o quanto a arte é feita para se experimentar, tentar, e falhar.
“Falhar em algo é basicamente o que significa ser humano”, diz em sua entrevista para o The Guardian. Talvez seja por isso que sua arte se destaca tanto, em um mundo de filtros escondendo qualquer imperfeição, a artista tem medo, não se engane, mas não se deixa paralisar. E sortudos somos nós, que podemos acompanhar sua jornada e ter sua liberdade criativa como nossa trilha sonora para nos inspirar a fazer o mesmo.