O grupo japonês CHAI foi um dos que roubaram a cena no Primavera Sound São Paulo, no início de novembro. Formada por quatro mulheres, a banda agitou o público com canções de indie dance, pop experimental e até mesmo referências punk – tudo isso com muita cor, carisma e excelência musical.

Em entrevista, as artistas conversaram com o Mad Sound sobre sua experiência no Brasil, planos para o futuro e os desafios que enfrentam enquanto mulheres que não se encaixam no padrão japonês de beleza e fragilidade. Elas se comunicaram com a ajuda da tradutora Sayuri Tanamate, que reproduziu nossas perguntas e nos repassou as respostas da banda.

Confira a entrevista na íntegra (um trabalho de Carolina Kitamura, Gabriela Marqueti e Larissa Catherine Oliveira):

Mad Sound: Vocês acabaram de realizar um show no Primavera Sound São Paulo. Como foi essa experiência?

CHAI: Foi incrível. Elas tinham uma vista maravilhosa porque estava cheio de gente. Essa é a primeira vez que elas vêm ao Brasil e elas não esperavam ter um público tão grande e nem que os fãs estivessem, de fato, aguardando por elas. Eles gritavam, cantavam e foi muito emocionante.

Elas provavelmente nunca vão se esquecer dos rostos, das vozes e das pessoas que estavam lá. Foi realmente muito emocionante poder encontrar esses fãs. Elas conseguiam ver nos rostos deles que eles estavam realmente esperando muito para poder vê-las.

MS: Vocês lançaram recentemente o álbum Wink, que tem uma característica muito mais intimista e pessoal. Como foi fazer esse álbum?

C: Ele foi produzido no início da pandemia, quando todos estávamos nesse período de reclusão e tudo mais. A ideia era justamente você poder sentir o calor das pessoas através da música, porque foi um período em que não podíamos encontrar ninguém, não dava pra conversar, pra abraçar. Não tinha como sentir as pessoas.

Isso fez elas repensarem o que é a música, o que elas querem que a música seja. E a resposta foi que elas querem que as pessoas sintam o calor através da música, sintam o toque. Que a música seja o seu melhor amigo. Foi pensando nisso que elas fizeram esse álbum e também para renovar a importância do que é a música para as pessoas.

MS: O single “ACTION” foi inspirado pelos protestos Black Lives Matter nos Estados Unidos. Você acham que é importante usar a música como forma de ativismo?

C: Sim, a gente acredita que é muito importante fazer esse tipo de trabalho. Poder transmitir as coisas que a gente pensa é extremamente importante. Até porque hoje em dia nós podemos falar nossas opiniões em qualquer lugar, em qualquer momento, através das mídias sociais. 

Essa questão do “poder se expressar” inspirou muito elas. Elas viram as pessoas se expressando e isso as inspirou a fazer essa música e poder devolver tudo que elas receberam para essas pessoas. Elas acreditam que há uma comunicação com as pessoas através da música. Daqui pra frente, elas gostariam de poder fazer isso: de receber a energia das pessoas e devolver para elas em forma de música.

MS: Sendo uma banda de mulheres, vocês sentem que é mais difícil ter sua voz ouvida quando se posicionam?

C: Com certeza existe essa questão. Por elas serem japonesas, elas só podem falar da experiência delas lá. No Japão, a imagem que eles têm de uma mulher é que ela tem que ser bela e ter aquela fragilidade. É isso que eles esperam de uma mulher. Então, você se posicionar, ter uma banda, transmitir coisas, é difícil. Não só como banda, né? Mas viver como mulher é difícil.

Existem, sim, muitos momentos em que você fica brava, frustrada, mas é graças a esse sentimento que elas conseguem colocar tudo na música e transmitir o que elas querem. É claro que essa junção de coisas acaba gerando os complexos que a gente tem hoje, mas também é por causa disso que a gente consegue fazer nossa música. Então, hoje, elas pensam: “Muito obrigada por me deixar brava, porque eu consigo fazer minha música e minha arte”.

MS: A música de vocês ultrapassou várias barreiras – especialmente a da língua. Qual é a importância de cantar em japonês para vocês?

C: Pode ser meio óbvio, mas somos japonesas, então essa é a língua que mais usamos e mais compreendemos. Então tem esse significado de ser a língua delas, de nascença, mas também tem as questões da própria graça da língua japonesa. Existem diversas províncias no Japão, cada uma delas tem o seu sotaque, tem um ritmo próprio. E o japonês de um modo geral tem um ritmo diferente das outras línguas, né? Ele é uma coisa um pouco mais reta, digamos assim, porque ele não tem muitas ênfases nas palavras.

Então eu acredito que isso é uma coisa que seja interessante pra quem ouve de fora. Tem toda essa graça da própria língua, da questão da origem. Cantar em inglês é uma experiência nova pra elas, então elas gostariam de poder usar as duas línguas daqui pra frente e continuar fazendo suas músicas.

MS: A participação de vocês no The First Take foi muito importante. Nos comentários, a gente pode reparar em pessoas falando em japonês, inglês e também outras línguas. Como elas veem isso? E elas acham que a música internacional está se tornando mais aberta para outras línguas além do ingles?

C: Está bem mais aberto do que antes. Agora não existe mais aquela questão do país em que você vive. Claro que inicialmente o artista é lançado no país  em que ele mora, mas hoje em dia não tem mais fronteiras. A gente tem essas coisas on-line e vemos que há um crescimento que não é só delas, né? É no mundo.

Como as músicas coreanas, por exemplo, que muita gente já conhece. Então, acredito que sim, está muito mais aberto do que era antes. 

MS: Depois de vencer tantas barreiras, agora vocês viajam através do mundo levando a sua arte. O que isso significa pra vocês?

C: Bom, primeiro que a gente transformou em música aquilo que elas sempre quiseram ouvir, né? Elas queriam receber um elogio sobre serem bonitas, por exemplo, só que não ouviam isso porque não se encaixam em certos padrões. A primeira coisa é isso, elas transformaram em música aquilo que elas queriam ouvir. Então, poder transmitir isso pras outras pessoas é uma coisa muito importante pra elas. 

E quanto mais países elas viajam, elas veem que todo mundo sente esse mesmo tipo de coisa, esses mesmos complexos. Elas conseguem sentir cada vez mais que realmente não existe essa coisa da fronteira. Você comentou do First Take: elas viram os comentários e, realmente, as coisas estão muito próximas. Poder vir ao Brasil, por exemplo, e ver tantas pessoas cantando as músicas delas, conhecendo elas e a arte que elas fazem, é uma coisa realmente muito emocionante.

MS: Vocês estão trabalhando em músicas novas atualmente?

C: Estamos trabalhando em um álbum novo. Poder vir a outros lugares, conhecer coisas novas, ter novas experiências, traz mais significado para as coisas que elas têm feito. 

Todas essas dificuldades que elas têm de viver como mulher, elas querem poder colocar no álbum e continuar sendo mulheres fortes e fazendo as coisas que elas querem, que elas acreditam. Elas querem colocar todos esses sentimentos nesse próximo álbum, nessas novas músicas que elas estão fazendo agora. 

MS: Quais são os planos para 2023?

C: Temos o álbum novo, como já falamos, e também queremos encontrar muitos fãs que estão por aí, fazer muitas turnês e, se possível, voltar para o Brasil. Agora que sabemos a felicidade que é tocar para os fãs daqui, não podemos esquecer. Queremos muito vir aqui novamente. Sabemos que é difícil porque estamos do outro lado do mundo, mas queremos muito poder voltar.