Muitas vezes, a arte se apresenta como válvula de escape para outras realidades e universos, desejos e devaneios. Mas transformar o aparentemente mundano em algo que brilhe é um ato que pode ser árduo, mas certamente com chances de resultar em uma bela obra para o ouvinte, e uma verdadeira introspeção nas memórias e sentimentos do artista responsável.

As noites e dias enfrentadas por Gabrre (codinome artístico de Gabriel Fetzner) que pareciam ser eternamente iguais, cercado pelas mesmas pessoas, mas de vez em quando entrando em contato com sentimentos bons ou até ruins, resultam em tocar em flores pelado, primeiro disco do artista gaúcho, lançado na última sexta, 23, pinta nas dez faixas do projeto um retrato sincero de momentos de tédio, frustrações e confusões, contadas de uma maneira solar: com um toque de otimismo e transformando sonoramente o mais do mesmo em mágica.

Músico gramadense Gabrre lança seu disco de estreia: tocar em flores pelado  - BAH!rulho - Diário de Canoas
Gabrre por Samyra Locatelli

A narrativa, prontamente de natureza diurna, é recheada de pianos e violões potencializados através de echos e reverbs, com influências de Ambient 1/Music For Airports do Brian Eno, e We Have The Facts And We’re Voting Yes, do Death Cab For Cutie, parece se tornar a trilha sonora de uma longa caminhada pela natureza intercalado por passos acelerados e outros um tanto quanto vagarosos, que inclusive foi em um desses passeios bucólicos que Gabrre tirou a inspiração para o título inusitado do projeto, assim como a capa e sonoridade, ele conta em entrevista ao Mad Sound. “Sempre penso bastante antes de começar a fazer música, nos instrumentos que vou usar, na estética do conjunto todo, quando e onde vou gravar. Nesse caso [do álbum], parti sempre de bateria e riffs de violão, sempre tocando a partir das 15h com um drink em mãos”, conta o artista de 22 anos, e revela a essência por trás de uma das únicas músicas do disco que acalmam a natureza elétrica do projeto. “E sempre gravo descalço e com as janelas abertas. todas as músicas do disco foram gravadas durante a tarde, com exceção de ‘no meu quarto’.”

A experiência do disco não nos deixa escolha a não ser embarcar no sentimento nostálgico proporcionado pelo artista, se infiltrando por suas histórias da juventude, mas não só isso: o olhar de Gabrre ao recordar o que já passou, o faz trazer uma natureza madura para o relato, que quase sempre resulta em um otimismo, averiguando que tudo não parece ser tão ruim assim, como certamente sempre parece quando estamos dentro do olho do furacão.

Viver, muitas vezes sofrer, reviver, e crescer: um processo clássico de um filme coming of age, em que o gaúcho conseguiu com maestria criar a trilha sonora para uma juventude digna de um coming of age para chamar de seu. E alguns clássicos do gênero o influenciaram para o trabalho, “Sempre tento imergir em um conjunto de obras variadas antes de compor. nesse caso, foram os filmes Little Miss Sunshine e Juno“, ele conta. Há quem diga que sequências de filmes são desnecessárias, mas no caso de Gabrre, continuar acompanhando sua visão digna de primavera da vida certamente será um privilégio.

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