Como uma verdadeira visionária emergindo das profundezas, tal como a arte do disco Drunk, de Thundercat, e a capa de seu próprio disco acts of rebellion, lançada via Domino, Ela Minus conquista em 2020 um lugar na disputada categoria de novos artistas que moldaram o tema do caótico presente, mas também definem o fuutro sonoramente, e com a representatividade de uma revolucionária artista latino-americana.

A artista, nascida Gabriela Jimeno, de Bogotá, na Colômbia, eleita a dona de uma das melhores faixas do ano pela Pitchfork, e a escolhida para ser a trilha sonora da gran finale do mais recente desfile da Chanel, conversa com o Mad Sound sobre a coragem e liberdade ao fazer arte, entrar em contato com nós mesmas, e inspirar e ser inspirada por Arca e pela América Latina e por seu brilhante futuro.

Mad Sound: Oi, Ela! Como você está?

Ela Minus: Eu estou bem, obrigada. Como você está?

MS: Eu estou bem também, obrigada por tirar um momento para conversar comigo hoje. acts of rebellion foi lançado faz um tempo agora… Como você está se sentindo sobre esse lançamento algum tempo depois dele? Ainda está um pouco ansiosa, ou já está pensando no próximo capítulo?

EM: É… (risos) principalmente pensando nas próximas coisas. Eu acho que se você tivesse me perguntado isso dez dias atrás, a resposta seria bem diferente. Mas na verdade, eu tive uma semana de férias semana passada, então eu desliguei meu telefone e não falei de nada sobre música, nada sobre trabalho por uma semana inteira, então eu estou muito renovada agora (risos) E eu realmente estou animada… sabe, eu estou muito feliz com o disco, como foi recebido, e muito grata por ter tido… eu ainda não acredito o quão perfeito o ano foi para específicamente o disco que eu fiz. E eu estou tentando transformar tudo isso em música nova.

MS: Algo curioso, mas a primeira vez que eu ouvi o disco, sem saber sobre sua história, eu jurei que você era francesa, ou europeia de certa forma. Talvez porque existe tanto da sua música que parece ser tão fiel à música eletrônica que nasceu e dominou a Alemanha e Inglaterra no passado. Você se conectou com essas influências as estudando, ou meio que apenas absorvendo de ouví-las nas festas techno que você costumava ir na faculdade?

EM: Foi principalmente ouvindo. Eu estudei [na Berklee College Of Music] bateria, eu sou baterista também, eu fui para a escola de música mas para estudar bateria para tocar com jazz, então nada a ver com o que eu estou fazendo agora (risos). Mas definitivamente eu sou extremamente influenciada pela música eletrônica europeia. Um pouco da música americana também, mas mais europeia do que americana. Eu me sinto muito conectada com a cena europeia, principalmente com as raízes da música eletrônica, porque, em minha opinião, elas são um pouco mais melódicas e tem essa combinação de melodias e letras de vez em quando, mas mesmo sem letras, é uma interpretação muito mais melódica da música eletrônica. E também o aspecto do hardware que eu encontro muito mais na Europa do que nos Estados Unidos. Sabe, eu não gosto de fazer música em computadores, eu só faço em hardware, então acho que isso faz minha música soar mais europeia por isso também, porque não existem muitos artistas fazendo músicas apenas via hardware, exceto por alguns na Europa.

MS: Eu soube que depois da faculdade, você se mudou para Nova York e arrumou um emprego construindo sintetizadores para uma empresa. O disco possui diversos momentos em que o synth está presente, e recentemente, grandes hits de 2020 também começaram a adotar o instrumento para dar uma roupagem oitentista nostálgica na faixa. Não sei se você já parou para pensar sobre isso, mas como você enxerga esse revival nas grandes paradas mainstream?

EM: Eu nunca pensei nisso antes, mas posso pensar agora com você me perguntando! (risos) É interessante, porque apenas… humanos (risos) às vezes ficam andando em círculos, é engraçado pra mim principalmente com tecnologia. É interessente ver os processos durante os anos porque a música mainstream e quase toda música usa tanta tecnologia agora, tanto computador, e nós estamos vendo só o começo disso. E acho que nas últimas duas décadas estamos vendo tanta música feita com o computador que teve um momento que a critividade através disso meio que chegou no limite eu acho que muitos produtores começaram a olhar pro passado, para o começo da música eletrônica, não muito como um gênero, mas como um instrumento, com os sintetizadores. Então eu acho que é isso que está retornando agora, produtores de todos os lados da indústria da música estão interessados em sintetizadores porque perceberam que ele é um instrumento diferente, e não é a mesma coisa que usar um computador. Então acho que isso tem muito a ver com essa nostalgia.

MS: Você compôs, produziu e gravou o disco em seu estúdio em casa. Então basicamente foi tudo você no álbum, ou seja, nenhum lugar para se esconder ou ninguém para apontar no processo desse álbum (risos) Você teve alguns problemas com autosabotagem ou insegurança neste processo sendo 100% dona do disco? E por acaso você tem algum conselho para outros artistas e produtores que possam estar passando por momentos semelhantes?

EM: Sim, sem dúvidas, o que eu mais aprendi ou a maior lição ao fazer esse disco foi precisamente me desprender de inseguranças e medos. E neste projeto, sabe, eu estou fazendo música a minha vida inteira. Literalmente desde que eu tenho memória, tocando bateria, sendo parte de bandas, e eu aprendi tanto mas também eu cheguei em um ponto que todo mundo, sem exceção, tinha medo do que as pessoas iam falar sobre a música, pensando demais, e se importando tanto com isso o sucesso, na verdade, que eu acho que por ter começado tão jovem, eu realmente superei esse medo bem rapidamente porque eu percebi que não importa na minha vida.

Eu cheguei em um ponto, aos 23 anos, que eu estava fazendo música desde os 9, e eu percebi que não importava como eu me sentia, ou quanto sucesso eu tinha, eu ainda ia continuar fazendo música, literalmente nada ia mudar, foi muito libertador. E eu fiquei muito cansada de trabalhar em grupos porque tinha muito ego envolvido, e quando eu comecei esse projeto solo, eu não estava pensando em fazer uma carreira a partir dele, ou até ser séria com isso, porque sabe eu tinha meu emprego construindo sintetizadores e eu tinha um emprego tocando bateria, eu tinha dinheiro o suficiente para viver e eu não precisava de sucesso, ou nada. Então eu comecei a fazer música só por fazer, sozinha, e eu nunca tive mais sucesso com nada. E eu percebi que a chave (risos) é não se importar, e ser livre, ser honesta, fazer o que quiser, e não esperar nada de volta, então este seria o meu conselho, me levou a vida inteira para isso.

9:25 – Ela Minus, “they told us it was hard, but they were wrong”

MS: O disco fala muito de um sentimento de força e rebelião em tempos obscuros. Com isso, eu queria saber se a vitória de Joe Biden te inspirou de certa forma em escrever novas músicas, sejam elas com um tom mais otimista do futuro, ou algo mais moderado do tipo “a luta continua”.

EM: Hm.. sim e não? Quero dizer, eu estive pensando muito sobre símbolos, recentemente, porque Biden não é ótimo, mas ele é um símbolo. O fato que ele ganhou é um grande símbolo. E eu lembro de pensar antes das eleições, “Independente do que acontecer, o poder dos símbolos é imenso”, o símbolo das pessoas votando para [Donald] Trump sair é gigante. E para mim isso importou muito mais do que qualquer que seja que Biden seja, poderia ter sido qualquer outra pessoa, mas nós só precisávamos que Trump estivesse fora.

Para mim, definitivamente, eu senti uma mudança de energia porque em Nova York foi muito especial, muito feliz, a energia realmente mudou, então eu senti que aquilo foi o final de 2020, um sentimento de “Bom, pelo menos as coisas não vão mudar pra pior… até o próximo”. Mas também eu não tinha noção, eu não planejei fazer o disco que eu fiz, eu batizei acts of rebellion depois que eu fiz tudo. Eu nunca penso “Ah, vou fazer música otimista, ou música política ou eu vou escrever isso..”, eu sempre tento ver esse processo como algo inconsciente, estou sempre tento ser presente todo dia e prestar atenção com quem eu estou conversando, apenas absolutamente presente o tempo todo e é isso que resulta na minha música, qualquer que seja o que eu estou absorvendo… Então (risos) eu não sei de verdade o que vai sair, mas definitivamente nós precisamos ser otimistas, e eu acho que eu tentei fazer isso no álbum porque eu acho que o primeiro passo para superar a escuridão, é aceitar a escuridão para você iluminar aquela situação.

MS: continuando no tema da rebelião, você é da Colômbia, e muitas das faixas do disco são em espanhol. O crescimento da atenção do mundo aos artistas latinos, principalmente artistas mulheres latinas produzindo gêneros mais “fora da curva” como o eletrônico ou o artpop de Arca, me deixa pra lá de feliz. Como você se sente sendo parte desse verdadeiro momento rebelde?

EM: É tão incrível que eu fico arrepiada (risos) Porque como você disse é tão animador, eu não fico animada por mim mesma, eu fico animada pela América Latina, por meninas mais jovens que estão vendo Arca. Eu acho que eu também mas eu vou falar sobre ela porque até para mim é tão inspirador vê-la. E eu nem consigo acreditar, se eu tivesse crescido com Arca… porque eu sempre fui estranha, uma rebelde, na escola na Colômbia, eu era tão estranha porque eu nunca gostei de reggaeton ou salsa, mesmo sendo 100% colombiana eu não me sentia eu mesma. Então eu acho que a gente muda e tenta encontrar nosso espaço no mundo.

Eu me sinto extremamente colombiana, mas eu me sinto um tipo diferente de colombiana, um novo tipo, uma nova geração de, como você disse, jovens rebeldes sendo livres e é tão incrível pra mim fazer parte disso, e eu estou animada para ver o que vêm em seguida, o que a nova geração de artistas irão fazer sendo inspiradas por esses nomes, é demais.

MS: Eu também estou muito animada. Ela, muito obrigada por conversar comigo, te desejo tudo de bom em tudo que você fizer no futuro, estarei acompanhando.

EM: Obrigada você! Espero que você goste (risos)

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