Existe um problema muito sério com o cenário atual do K-pop que chega a ser ridículo, mais com grupos femininos do que com masculinos. A tentativa excessiva de conquistar o público internacional (ou seja, norte-americano) com músicas mais “experimentais” e dentro do conceito de girl crush é válida, mas só quando a execução é inteligente. Crazy in Love, o primeiro full de ITZY após três anos de estreia do grupo, aponta as falhas da estratégia norte-americana da JYP Entertainment.

A title track (ou single do lançamento), “LOCO”, traz a energia de ITZY de sempre, com uma orquestra persistente e efeitos de palmas, vocais em high pitch e em planos de fundo para dar um perdido na estrutura da música. E mesmo assim, “LOCO” é puro chiclete – o que não significa que é bom. Dessa forma, a canção se torna um presságio do que é o resto do álbum: um pouco experimental, um pouco inconsistente e muito repetitivo.

Entretanto, as habilidades do quinteto (Yeji, Lia, Ryujin, Chaeryeong e Yuna) ultrapassam quaisquer problemas na produção do disco, por puro esforço de colocar uma boa performance para os fãs.

É fácil mostrar que o MV (music video) tenta apelar para o público jovem internacional, com escolhas fashion questionáveis, uma coreografia com alguns movimentos simples o suficiente para estourarem na rede social ao lado, e por aí vai. A esperança da empresa, com todos os elementos gritantes que obrigaram a audiência a prestar atenção – mesmo em programas de televisão e em entrevistas – é abrir espaço suficiente para que, em momentos pós pandemia, uma turnê seja o suficiente para que elas se tornem as próximas queridinhas da mídia. 

A canção “Swipe” ganhou seu próprio MV e será apresentada como b-side. A canção é a pura essência da Geração Z, inspirada em hip-hop, que fala sobre colocar limites e se proteger de relacionamentos tóxicos. Apesar de não ser mais “forte” comercialmente do que a title track, “Swipe” ganha de “LOCO” em estrutura, em conceito e até mesmo de sair da história de paixão. 

O trio “#TWENTY”, “B[OOM]-BOX” e “Gas Me Up” são a sequência a ser explorada com cuidado pelo ouvinte em Crazy In Love. A primeira, com rap aperfeiçoado e que, de certa forma, faz uma leve homenagem aos primeiros grupos de K-pop lá do final dos anos 1990. A segunda volta ao que ITZY lançou do debut até o final do ano passado, o conceito “teen crush”, permitindo mostrar uma energia mais divertida e leve, que até então não esteve tão presente como deveria. A terceira e última parece algo que saiu de uma continuação da title track anterior do grupo, “In The Morning”, em conjunto com o novo termo das redes sociais: o bate panela.

“Sooo LUCKY” e “LOVE is” saem completamente da ideia original do álbum, com vocais mais suaves e dentro do pop genérico, preenchendo os cargos de filler que não entraram em lançamentos anteriores quando poderiam ter se encaixado melhor. O mesmo ocorre com “Chillin’ Chillin’”, com o exagero da temática do verão, que parece ter sido dispensada do último lançamento sazonal do grupo feminino sênior da empresa, TWICE. Do que adianta colocar um único ponto de veraneio no início do outono coreano, ainda mais com a música de sequência sendo uma balada? 

Em seguida, com “Mirror”, chega a vez da balada romântica obrigatória de qualquer full álbum de K-pop, amada pelo público doméstico e feita para ilustrar a mensagem de que ITZY é capaz, sim, de harmonizar e mostrar suas habilidades em tons poucos explorados pelo grupo.

Outra grande falha de Crazy In Love é a inclusão de todas as title tracks lançadas até então em suas versões instrumentais. Por mais que pareça um truque impressionante da JYP para montar um full recheado, o que dá a entender é que eles viram o meme do *Slaps Roof of Car* e seguiram com “this bad boy can fit so much versões instrumentais in it”. O problema é que pelo menos 90% dos fãs não querem ouvir um álbum com seis versões sem vocal em repetição. E colocar um monte de versões instrumentais não compensa pela falha de consistência e falta de estrutura das canções existentes no álbum. 

A versão em inglês de “LOCO” também não faz jus ao talento de ITZY e a capacidade de conquistar o mercado americano que elas possuem. Com K-pop, sempre existe o risco “poderia ser pior”, o que não é o caso aqui. Mas existe uma sensação distinta da versão em inglês de uma música coreana, que parece completamente distorcida e descolada da realidade, e a versão em inglês de uma música coreana em que o sentimento é totalmente diferente, ao ponto de te fazer esquecer que as faixas são as mesmas. Um bom exemplo é a comparação de “Bad Boy”, de Red Velvet em inglês e “Star” (“Voice”, em coreano), de LOONA. “LOCO” entra no meio termo aqui, totalmente sem sal. 

Ouça Crazy In Love aqui:

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