Em tempos que nos trouxeram finais tão bruscos e inesperados, poder escolher quando e como se despedir é um privilégio que foi concedido a Julia Branco. Seu disco de estreia, Soltar os Cavalos, foi lançado em 2018 e recebido de braços e ouvidos abertos pelo público e pela crítica. Considerado pela Folha de S. Paulo um dos melhores álbuns de 2018 e vencedor do Prêmio Flávio Henrique de melhor álbum do ano, o disco “foi crescendo dentro da própria história”, como ela mesma diz, e depois de cavalgar uma estrada tão longa e ensolarada, começa a se aproximar da reta final.

Desde o início ficou claro que Soltar os Cavalos tinha chegado para ficar. O single “30 Anos”, parceria com Letrux, cativou o público quase que imediatamente e recebeu reforço do sucesso de “Eu Sou Mulher”, lançado não muito depois. Falando sobre liberdade, força e a celebração de ser mulher, Soltar os Cavalos manteve-se um disco extremamente relevante e atual ao longo dos anos. Durante a pandemia, a música de abertura “Sou Forte” foi redescoberta e ganhou força renovada nas plataformas digitais, muito provavelmente pela potência da mensagem que carrega: “Sou forte / Sou grande / Sou do tamanho do medo / Aqui não me dói nada / Aqui não passa nada”.

Em 2021, Julia Branco se prepara para dizer adeus. Em entrevista ao Mad Sound, ela reconhece a importância de ter deixado o disco crescer em si mesmo e trilhar seus caminhos por conta própria antes de iniciar algo diferente. Agora, porém, a cantora relata que sente algo se encerrando nela mesma e que percebeu a chegada de “coisas novas e novos desejos” no final do ano passado, como a vontade de fazer releituras de algumas canções, por exemplo. 

Primeiro chegou um remix de “Sou Forte” feito pela francesa Marion Lemonnier, e agora o áudio oficial da belíssima versão acapella de “Estrela”, com a participação ilustre das cantoras Lay e Lio, da banda Tuyo. O vídeo da parceria já está disponível há 2 anos, mas é a primeira vez que o áudio chega às plataformas digitais, podendo ser encontrado aqui

Julia conta que a colaboração surgiu há alguns anos, quando ela convidou a dupla para participar de um de seus shows em Curitiba. Na época, Julia tinha a proposta de convidar uma artista mulher para cada cidade pela qual passava, tendo chamado ao palco a própria Letrux, Aíla e Uyara Torrente, que também participou  do Soltar os Cavalos. Julia já conhecia o trabalho de Lay e Lio, mas nada a preparou para a força do momento em que as três se juntaram para ensaiar e cantar “Estrela”. 

“Fiquei muito fascinada logo de cara com a potência vocal das duas cantando juntas. A gente fez um ensaio antes do show e eu fiquei muito impactada quando elas começaram a cantar comigo. Aquilo foi muito forte. A música de repente ganhou uma camada muito maior,” relata. Sobre a decisão de fazer uma versão acapella, Julia acrescenta: “[A música] ganhou uma força muito especial com a presença da Lay e da Lio nesse formato só da voz. A voz e a palavra têm um lugar muito importante dentro do disco. De alguma forma foi um reforço, quase uma crueza, do que o disco traz: a importância da voz, da palavra, dos instrumentos estarem todos a serviço do que está sendo dito.”

Ela prefere manter certo mistério e segredo sobre o ato final que deve fechar esse ciclo com chave de ouro, mas revela que vem por aí um single novo em parceria com uma artista “muito importante” e que faz parte da sua história, assim como um videoclipe filmado durante a quarentena que deve conter muitas imagens documentais, trazendo memórias do disco e de sua vida pessoal.

Em clima de encerramento, mas também de iniciação, Julia Branco fala um pouco sobre o sentimento de começar a criar o tão temido segundo álbum depois da incrível recepção do primeiro. “Quando um primeiro disco é muito bem recebido, a gente fica com uma expectativa grande com o segundo,” relata. “No primeiro, talvez o que haja de grandioso tenha a ver justamente com a verdade e a espontaneidade daquilo. É claro que a gente sempre deseja que nosso trabalho alcance as pessoas e seja ouvido, a gente até projeta isso, mas é muito delicado num processo artístico, quando a gente de alguma forma quer conduzir as coisas dentro de um certo caminho em que a gente acha que vai acertar. Pra mim, pelo menos é muito difícil. Eu sei que tem algumas pessoas com esse talento de fazer a música para ser hit, mas pra mim passa por um lugar muito mais profundo de estar conectado com o que está fazendo sentido pra mim.”

“Acho que tem esse desafio porque eu quero fazer uma coisa nova e ao mesmo tempo talvez as pessoas esperem por algo parecido, e se vir algo parecido também não vai ser igual porque vai ser outra coisa, mas eu tenho tentando me desprender disso agora. Claro, eu continuo sendo eu, então a forma de criar passa por lugares parecidos, mas eu tenho tentado habitar novos territórios e ver para onde esse barco vai me levar, também ser surpreendida por isso, deixar que esse trabalho tenha a história dele,” completa.

Ela entende que esse processo de criação provavelmente será mais curto e objetivo em comparação à liberdade e ao tempo que teve para montar o Soltar os Cavalos. Em tempos de pandemia, muitas coisas relacionadas à produção ainda precisam ser redescobertas, o que torna tudo diferente desde o início. Quando perguntada sobre o misto de emoções e sentimentos trazidos à tona pelo atual cenário do mundo, Julia Branco menciona uma postagem nas redes sociais de Caetano Veloso que a deixou emocionada, com o texto passando pela ideia (não de forma romantizada, ressalta ela) de que esse pode ser um momento para grandes oportunidades.

“Não que a gente tenha que sentir alegria o tempo todo, mas talvez a gente tenha que fazer algo com isso”, reflete Julia. “A gente tem uma responsabilidade nesse momento para que a vida seja melhor e para que o futuro seja melhor, mesmo diante de tanto sofrimento. Eu tento pensar em como eu posso ser ativa nesse momento. É claro que não é fácil, há dias em que a gente fica muito desesperançosa, mas eu tento pensar o que eu posso fazer para que isso mude e para que a história seja diferente.” 

Para Julia, 2020 foi um ano de muitos encontros. Virtuais, em sua maioria, mas também de processos subjetivos e pessoais, e ela entende que a arte nesse momento é não só um grande alívio, mas também um poderoso instrumento catalisador. “Eu acho que a partir desses encontros a gente ganha muita força porque a gente tá junto e podemos fazer coisas bonitas no meio desse caos e encarar isso como um processo de transformação,” afirma. “A gente não sabe o que tem ali na frente, então vamos fazer parte dessa transformação de alguma forma.”

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