Ninguém transborda pista mais do que o NoPorn. E em tempos que esse campo magnético se transformou em um campo minado para o mundo, Liana Padilha e Lucas Freire se debruçam em SIM, terceiro disco de estúdio do duo, e o primeiro sem Luca Lauri, que chegou na última sexta-feira, 16, sob um caleidoscópio de nostalgia, desejo, e imaginação envolvidas pelo complexo e quente manto que só a noite traz.

Mesmo não conseguindo ter muitas expectativas diante do lançamento do projeto, como a dupla afirma em entrevista ao Mad Sound, SIM em sua essência, serve como uma cápsula do tempo e ao mesmo tempo que um manifesto, expressando a pressa de viver e criar, sentindo falta do passado, e sonhando com um futuro melhor.

Criado em sua maioria antes da pandemia com uma habilidade visionária que nem Liana e Lucas, obviamente, nem imaginaram que iam se tornar realidade ao falar sobre fazer “Festa no Meu Quarto”, abre alas do disco, que se tornou o plano de carnaval do duo, que decidiu fazer uma festa no próprio quarto e começar a gravar o disco durante o último suspiro de coletividade antes da pandemia, mas sem arrependimentos. “O Carnaval passa aqui na porta! Foi uma troca”, conta Liana, que ressalta ter usado a estratégia para começar a tocar cedo e misturando com o som dos blocos, dessa forma, vizinhos não reclamariam do barulho.

Conforme o isolamento foi passando, o álbum começou a ganhar forma, com os artistas definindo o vocabulário do projeto como verdadeiros detetives musicais, criando um “mural de evidências” e tirando e colocando post-its com músicas que encaixariam ou não na língua que o NoPorn queria falar com o público. A narrativa, como um filme, começa depois do single de 2020 “Circuit Break”, criado no dia que a banda retornou do último show em Maringá, no Paraná, e se deparou com o mundo como conhecíamos acabado para sempre. SIM, por sua vez, mostra os próximos capítulos dessa história, a nostalgia constante, o presente isolado e um futuro, com sorte, suado.

O ato I, a nostalgia, por sua vez, mostra a relação dos artistas com memórias de sua carreira, sua cidade natal, o Rio de Janeiro, e a capital paulista, aonde residem atualmente, “No Rio somos de São Paulo, e em São Paulo somos do Rio (risos)”, contam os artistas. Respectivamente, Liana compartilha na excelente “Geleia de Morango”, flashbacks de sua carreira de DJ antes do NoPorn, em que se consolidou por dez anos. Já em “Praia de Artista”, a alta sociedade artística das artes presente no Rio de Janeiro é pintada com ironia e fascinação a tentativa de impressionar e o desejo de se integrar naquele circuito em que tudo acontece na praia. Já na última faixa do álbum, a emocionante “Noites Longe do Mar”, Liana nos leva para o banco de trás de um Uber, talvez 6h ou 7h da manhã, pós festa, e uma só vontade: o molhado do mar, o iodo da praia, a vontade de voltar para sua casa de verdade, sendo consolada pelo pensamento que se tornou mantra para todos nós durante o isolamento: “Ainda vai ter outra festa”.

Já o ato II, o presente se torna claro em canções como “Slow Sex”, um resultado de uma fascinação de Liana sobre o sexo virtual, adotado massivamente durante o isolamento, e o fenômeno do OnlyFans, rede social polêmica que talvez se torne opção do NoPorn para expandir suas redes de fãs, mas através da música e do diálogo, apenas. “Como as pessoas fazem? Como é que é?”, a artista questionava sobre o mundo do sexo virtual. “A história [da música] é que o cara tá doido pra gozar e a menina tá lá fantasiando, pirando, nem aí… (…) Aí ficamos imaginando qual a luz que teria, imaginando uma cena, não necessariamente a gente precisa viver isso pra criar essa cena.”

Como verdadeiros diretores, autores, atores, e até maestros, o NoPorn mostra o que fazem de melhor: entendem a pista para se entender, mesmo estando em casa por advento da pandemia e do valor alto da vida em São Paulo para um artista, e compartilhando uma visão de mundo, em suas palavras, romanceada e lírica, e uma filosofia que só existe entre eles, mas que conseguem tocar o outro com profundidade. “Fazer música boa pra dançar não requer que você saia pra dançar…”, cita Lucas sobre uma matéria que não se recorda com detalhes, sendo complementado por Liana. “…Requer que você tenha vontade.”

“Em termos da poesia eu tenho uma coisa muito observadora”, conta Padilha. “E eu sou uma péssima observadora com relação às pessoas, o que elas tão usando, aparência, mas eu sou uma ótima observadora de sentimentos. Quando eu tocava eu fazia uma coisa na pista, era como se eu estivesse transando com eles, era uma coisa que eu jogava a energia da música naquele momento, e eu conseguia como um maestro ditar a emoção deles, brincar com isso, com o que eles sentiam. E todo esse tempo, eu trabalhei dez anos como DJ, e na maioria eu era residente de algum lugar, tocava toda semana. No ínicio que iam eram os amigos, depois os amigos cansam de te ver tocar, e vai um público muito variado. E aí você percebe a sexualidade das pessoas, a sedução, o desejo, a carência. É muito claro, é como se fosse a roupa que eles estavam usando. Pra mim tem muito a ver, na poesia, na letra (…) Tem outras letras com amigos, de situações que outras pessoas viveram, ou a gente viveu, mas é muito variado. É uma elaboração de clima”, revela.

“Sabe quando você é criança, que você se maquia, se veste?” Liana questiona. “Menina, eu tenho muito isso e tinha muito isso pequena! Vestindo as coisas, os hobbies da minha mãe, botava um brilho uma coisa. (…) Como artista a gente tem que manter isso vivo, a coisa de brincar, de “Ah, eu vou brincar agora que eu sou outra coisa”, embora eu seja sempre a mesma.”

A troca com o público ainda aconteceu no mundo virtual, pelas festas de Zoom que, apesar de não serem tão atendidas pela dupla, foram palcos importantes para apresentações durante a pandemia, com destaque para as festas A Onda e do Festival Coquetel Molotov. Com um mar de “quadradinhos”, cada um no seu mundo, e com alguns até tomando banho ou transando, como observado por Liana e Lucas, a dupla teve experiências boas no formato e se empenhavam para serem criadores e atores, assim como em suas músicas, brincando de fazer show com projeções assinadas pela amiga e artista Helô Duran, e até errando a letra, mostrando a magia do ao vivo. “Eu sou mais DJ do Boiler Room, de estar ali com a galera, de estar junto”, conta Liana. “Os melhores shows que a gente já fez, a luz era de boate, eu não era popstar“, e Lucas complementa, “A luz não é na gente” (…) “A gente fala pro cara [da luz] ‘Se quiser ligar a luz, coloca neles [público].”

Invocando a luz na pista, o ato III trata do futuro, e nada é mais futuro que SIM em sua totalidade, dizendo sim para todos os desejos de um futuro melhor do jeito que cada um imaginar, seja um sim para música, para a festa, para a vida. Com confiança na invocação das coisas, afirmando estar viva por conta disso, como conta Liana, o NoPorn agradece o público pela amizade até agora em “@minhaloucuratemtrilhasonora”, e faz a festa em qualquer lugar, como eles sempre fizeram e continuarão a fazer.

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