A nova febre do cinema hollywoodiano parece ser as biografias de bandas e artistas. Com o sucesso (mais de público do que de crítica) de Bohemian Rhapsody, uma outra porção de cinebiografias foram encomendadas. Rocketman, que conta a história de Elton John, é a melhor dessa leva até agora.

Curioso que o filme é dirigido por Dexter Fletcher, que assumiu a direção do filme do Queen depois de surgirem denúncias de abuso sexual contra Bryan Singer. Seja por ter se envolvido no projeto desde o princípio, ou por outro motivo qualquer, Fletcher se sai muito melhor aqui.

O diretor consegue capturar perfeitamente toda a exuberância (e breguice, por que não?) de Elton John. Logo de cara, o filme se beneficia por utilizar a linguagem de musical para contar sua história. Do nada, em uma cena de cunho dramático, um dos personagens, cabisbaixo, começa a cantar sobre seus sentimentos para a câmera. De repente, todo mundo entra no ritmo e dança em coreografias super-ensaiadas. É clichê e essa é a graça. Não é apenas uma biografia sobre um músico. É uma biografia musical sobre um músico.

Todos os setpieces, esses momentos de suspensão da realidade em que todos começam a cantar e dançar, são fantásticos. Há muitos destaques, começando pelo de “Saturday Night’s Alright (For Fighting)”, um plano sequência enorme em um parque de diversões que mistura dança e luta e um visual deslumbrante. Aliás, todo o visual do filme é deslumbrante, começando pelos figurinos de Julian Day que emulam as roupas extravagantes que Elton John usa na vida real.

Uma vantagem dessa suspensão de realidade que o musical traz é que o filme se permite metáforas visuais calcadas em um realismo fantástico, coisa que uma biografia “naturalista” não se permitiria. Por exemplo, no famoso pulo que Elton dá ao tocar o piano em “Crocodile Rock”, Fletcher tem a sensibilidade de desacelerar o tempo e mostrar o cantor como se estivesse flutuando. A plateia começa a flutuar também, na primeira consagração do artista perante ao público. Isso sem falar da fotografia sempre muito saturada, com flashs que cruzam a tela o tempo todo e focos de luz que acendem e apagam no rosto dos atores.

Um clichê menos interessante, no entanto, é a estrutura de cinebiografia. O artista começa de lugar nenhum e chega ao auge por causa de seu talento absurdo. A fama sobe à cabeça e ele começa a se destruir. Num momento catártico, renasce e chega, finalmente, à glória completa. São batidas no roteiro extremamente previsíveis e que tiram um pouco o brilho do longa. A “catarse” é particularmente embaraçosa, em cena em que o cantor tem que finalmente encarar seus fantasmas.

O que compensa esses escorregões que surgem aqui e ali é que o filme não tem medo de chegar no íntimo de Elton John. Se uma outra cinebiografia parece ter medo da sexualidade de seu protagonista, aqui, Elton é mostrado em relações homossexuais diversas vezes. Inclusive, um dos números musicais mostra justamente um mar de pessoas com quem o músico deve ter se relacionado. As drogas também não ficam de lado. Não é nada extremamente chocante, mas mostra o que se espera de uma cinebiografia com o mínimo de preocupação em realmente retratar seu objeto de estudo.

Toda essa excentricidade e exuberância do filme só funciona porque são abraçadas pelo ator Taron Egerton. Ele não só regravou os vocais de toda a trilha do filme como assume perfeitamente os trejeitos de John. Apesar do porte físico distinto, a maquiagem e a atuação se juntam em uma performance marcante. Egerton ainda se arrisca em alguns momentos de overacting que, de novo, combinam com toda a extravagância do filme e do biografado. Não seria surpresa ver o ator na temporada de premiações.

Rocketman é um filme arriscado e que não tem medo de cair na breguice total. Não só cai como se esbalda num exagero propositalmente delicioso. Ainda que se dê melhor ao emular a estrutura de musical do que a de biografia, o longa é a história de Elton John do jeito que deveria ser. Ainda por cima, com uma trilha sonora dessas, qualquer filme ganha uns pontinhos a mais.  

Categorias: Notícias Resenhas