Na última sexta-feira, 10, a cantora XYLØ lançou seu tão antecipado álbum de estreia. Chamado unamerican beauty, o disco conceitual traça um retrato crítico da sociedade estadunidense e suas falhas, revelando a verdade por trás do mito do “sonho americano”. Ao contrário do ideal de igualdade, liberdade e perfeição que se é vendido nos filmes e nas músicas, esse é, na verdade, um país ganancioso, que ensina seus cidadãos a viverem de mentiras e se alimenta do desespero dos mais pobres. Um retrato que vai contra a imagem publicitária da vida perfeita, uma perspectiva de fato “não-americana”.

A crítica não é nenhuma novidade na cultura pop e, para ajudar a compor o cenário, Xylø resgata a estética vintage muito utilizada por Lana Del Rey em sua era Born To Die, que abordava os mesmos temas. A influência tanto da cantora quanto do disco de 2012 é muito presente neste projeto de Xylø, seja no visual de seus videoclipes ou nas nuances de seus vocais ao longo das faixas. Sua voz, também normalmente mais próxima de um tom falado, transita por locais hora mais graves e hora de teor quase infantil, como os encontrados em “Off To The Races” e “Lolita”. A própria Xylø fez questão de não esconder sua inspiração; no videoclipe de “aliens” é possível ver a cantora lendo o livro de poemas Violet Bent Backwards Over The Grass, escrito pela própria Lana Del Rey.

Apesar de unamerican beauty ser seu primeiro disco, Xylø já era um nome conhecido na indústria desde o sucesso do single “America”, lançado quando a artista ainda fazia parte de um duo com o seu irmão, Chase Duddy. Agora em carreira solo, ela se reafirma com seu primeiro álbum como um dos grandes nomes do pop alternativo e do indie pop, mostrando que conhece bem as heroínas que vieram antes dela e que está pronta para causar tanta polêmica quanto. Com uma beleza bastante americana, ostentando pele branca, grandes olhos azuis e longos cabelos loiros, Xylø seria o produto perfeito dessa mesma sociedade elitista e higienista, mas, ao invés disso, decide se voltar contra ela.

Em “unamerican beauty”, Xylø faz referência ao videoclipe de “Alejandro”, de Lady Gaga. Créditos: Reprodução/YouTube

Em toda a sua extensão, o unamerican beauty faz uma crítica ao estilo de vida estadunidense altamente capitalista e às três bases principais da cultura americana: o dinheiro, o sexo e a religião. Se a estética usada por Lana Del Rey alimentou em muito os visuais do álbum com iconografias religiosas e filmagens de estética caseira, no videoclipe da faixa-título, Xylø também prestou homenagem à cantora pop Lady Gaga. Em uma das cenas, a artista mais jovem pode ser vista engolindo um rosário, tal qual Gaga fez no videoclipe de “Alejandro”, há mais de 10 anos, já causando grande escândalo e controvérsia por desafiar o catolicismo de modo tão ousado, como Madonna também fez em sua época.

“unamerican beauty” é também a música de abertura do álbum e traz em si um grande resumo do conceito do projeto, trazendo críticas à falsa moral cristã, a política armamentista e o comportamento sexual predatório de homens de poder com mulheres ou jovens vulneráveis. Partes do videoclipe mostram Xylø sentada em uma igreja ou cercada por velas em um altar, fingindo um falso puritanismo pregado e incentivado pelos chamados “cidadãos de bem” americanos. Em outras imagens, a cantora denuncia a corrupção dessa mesma sociedade que se julga tão moralista, mostrando um homem fantasiado de Ronald McDonald segurando uma arma, enquanto em outros cortes vemos um homem adulto e em posição de poder tendo interações de teor sexual com uma jovem de idade bastante inferior e subordinada a ele pelo emprego. Uma possível crítica não só ao abuso de poder no ambiente corporativo, mas também à pedofilia, já que a jovem veste uma roupa semelhante a um uniforme escolar.

Durante o disco, Xylø segue fazendo críticas ao estilo de vida estadunidense e ao modo como ele é vendido como o “sonho americano” sendo que esse modo “perfeito” de vida é profundamente elitista, sendo acessível apenas para alguns poucos, enquanto a grande maioria vive na miséria tentando sobreviver dentro do sistema. Essa lógica é explorada na faixa “one bedroom apartment”, descrevendo as condições precárias de moradia à que muitos cidadãos americanos são submetidos quando saem da casa dos pais para buscar sua independência, muitas vezes indo morar em bairros perigosos porque é tudo o que conseguem pagar.

Outra faixa que desmistifica essa imagem do país perfeito é o primeiro single “aliens”, onde Xylø ilustra que, apesar das aparências, todos que ela conhece estão perdidos, seja os mais favorecidos financeiramente ou aqueles que estão lutando para encontrar seu lugar no mundo. Na apocalíptica “red hot winter” ela denuncia a lógica cada vez mais acelerada de consumo e responsabiliza o sistema capitalista pela escalada do aquecimento global e dos desastres ambientais. “É um lindo dia para o fim do mundo”, canta no último pré-refrão.

Em uma sociedade dominada pelo dinheiro, aqueles que têm demais se tornam excessivamente gananciosos, enquanto aqueles que têm de menos recebem cada vez menos chances de inclusão dentro dessa sociedade tão marcada pelas aparências e pelos bens materiais. Em “starfucker”, Xylø pinta um retrato do desespero que muitas vezes fazem pessoas necessitadas se voltarem para a prostituição como o único modo de rápida ascensão financeira, já que seus esforços não são recompensados por um sistema carente de políticas públicas e de oportunidades, levando assim a uma corrupção do próprio caráter na busca pela sobrevivência. “Eu fiz a coisa certa várias e várias vezes / E tudo o que ganhei foi uma poça de lágrimas / Talvez eu devesse nadar com os tubarões / Me perder na escuridão e então brilhar como uma estrela”, reflete na perspectiva da pessoa que enfrenta dificuldades.

Se a prostituição passa a ser encarada como um modo de sobrevivência, outra válvula de escape dos jovens americanos se encontra no consumo de drogas, retratado em “sugar free rush”. A faixa se inicia com violinos semelhantes à introdução de “Born To Die”, da Lana Del Rey, e segue traçando uma perspectiva desse flerte com a morte e a autodestruição no uso recreativo de drogas como um modo de suprir a carência emocional e o vazio existencial. “Não consigo enxergar nada, mas eu vejo tudo tão claramente agora / E eu sinto como se pudesse amar qualquer um ou resolver qualquer coisa”, canta a cantora sobre a sensação de estar sob o efeito dos entorpecentes.

O álbum se encerra com “driving (sonata 2011)”, que insiste nessa perspectiva bastante pessimista sobre os Estados Unidos e ressalta a necessidade cada vez maior de fugir ou dirigir para longe caso o mundo não acabe. “Cinzas caem do céu em Los Angeles / Cometi alguns erros, mas nada dura para sempre / Se o amanhã chegar e eu não estiver onde você me deixou / Apenas saiba que estou dirigindo”, canta Xylø no refrão. No final da faixa e do álbum, ela deixa claro que não sabe para onde está indo, mas que continuará dirigindo. 

A necessidade da cultura pop de renovar a cada ano suas críticas à sociedade estadunidense e ao “sonho americano” só prova como o molde capitalista falhou e segue falhando enquanto sistema, alimentando sociedades cada vez mais violentas e autodestrutivas em que se predomina a lógica do poder e do acúmulo de capital. Resgatando a influência de grandes nomes que vieram antes de si, Xylø não inova exatamente em conteúdo, mas aborda as temáticas escolhidas com mais ousadia e de forma mais direta, de modo que é pouco provável que o público confunda suas críticas com glamourização, como foi o caso de Lana Del Rey. 

Em unamerican beauty, ela inicia oficialmente sua carreira mostrando que não tem a pretensão de se tornar uma diva americana e que também é consciente dos problemas que a cercam, mas como todo paradoxo que envolve o sistema capitalista, só o tempo dirá se uma possível ascensão à fama não irá colocá-la no delicado espaço de pessoa pública desfavorável ao sistema e também criticada por ser beneficiada por ele. 

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