Texto por Isabela “Pétala” Alcântara e Julia de Camillo.

Carly Rae Jepsen não é uma pop star convencional. O catálogo da cantora contava com um único disco, que flertava com o folk-pop, lançado sob um pequeno selo independente do Canadá quando todos os holofotes se voltaram para ela em 2012, graças ao hit “Call Me Maybe”, que grudou em nossos ouvidos para nunca mais sair. Rapidamente, Carly Rae assinou com a Universal Music Group, uma das três chamadas major labels (grandes gravadoras), pelo selo Schoolboy Records. O fruto imediato desta nova etapa na carreira da cantora foi Kiss, um álbum apressado, mas inspirado, que buscava surfar na onda dessa atenção grandiosa e repentina – sem muito sucesso, comercialmente falando. O fruto não imediato, e portanto mais maduro, foi E•MO•TION, um dos melhores discos de pop da década de 2010, que completa cinco anos de lançamento nesta semana.

E•MO•TION sedimenta Carly Rae Jepsen como uma estrela pop completamente formada. É um trabalho coeso, que ninguém esperaria de uma artista tida como one-hit wonder. No entanto, o álbum decepcionou nas vendas, mesmo sendo bem recebido e elogiado pela crítica especializada. Não trouxe um hit para chegar ao topo das paradas, apesar do primeiro single a ser divulgado, “I Really Like You”, ser uma tentativa descarada de recriar o sucesso de “Call Me Maybe”. Nem tudo é previsível e calculável, até mesmo para a monumental e engenhosa máquina que é uma major label. Mas E•MO•TION prova que devemos receber o inesperado de braços abertos. Graças a este disco, Carly Rae pôde traçar uma trajetória singular no mundo do pop. 

Acontece que um fenômeno muito peculiar se formou em volta da imagem de Carly Rae Jepsen e, principalmente, deste terceiro álbum de estúdio. Ela se tornou quase que uma artista indie, com uma fã-base pequena, se comparada a gigantes atos do pop, mas fervorosamente fiel, se assemelhando à experiência da sueca Robyn. O trabalho de Carly Rae atingiu fãs de música que procuram ouvir pop para além do que o Top 40 oferece. E•MO•TION se tornou um disco cultuado e essencial entre quem leva música pop a sério e ressignificou o que é sucesso para ela mesma e, esperançosamente, para outros artistas do gênero.

É interessante ressaltar que Carly Rae contou com uma série de colaboradores na produção deste álbum, algo já esperado no desenvolvimento de um álbum pop por uma grande gravadora. Mesmo assim, a cantora é creditada na composição de todas as músicas. Ao todo, E•MO•TION apresenta uma produção divertida, mas refinada, que busca desenvolver sua sonoridade fortemente inspirada no pop oitentista sem soar datada, demonstrando o bom gosto e competência na curadoria necessários para adaptar esta estética aos anos 2010, e se mantendo relevante cinco anos após seu lançamento.

Se “I Really Like You” falhou em demonstrar ao público o potencial de Carly Rae, o segundo single, “Run Away With Me”, encapsula a habilidade da cantora em entregar, sem exageros, uma música quase perfeita. É a primeira canção do álbum e fisga o ouvinte no primeiro instante, com um saxofone deliciosamente memorável e impactante. O refrão grandioso eleva a energia da faixa a outro nível. Ao apertar play, recebe-se de cara uma das melhores músicas do pop da década passada, que já rendeu momentos que ficarão guardados para o resto da vida quando tocada em uma pista de dança. Não é pouca coisa.

A segunda faixa é a que dá o nome ao projeto e condensa bem a essência do álbum. “Emotion” se aprofunda nos temas já abordados em “Run Away With Me”: o sentimento de antecipação, o furor de um relacionamento que está no começo ou prestes a começar, as incertezas que embrulham o estômago da melhor maneira possível, criando uma sensação de invencibilidade e quase imortalidade alcançadas através do poder desse novo sentimento. Carly Rae navega por estas questões do coração com facilidade também nas canções seguintes, a já citada “I Really Like You” e “Gimme Love”. Tudo isso em um pop vibrante e irresistível.

“All That” dá sequência ao álbum e é o primeiro momento em que desaceleramos. É uma música reflexiva e introspectiva que representa o núcleo emocional do disco. Curiosamente, foi produzida por Dev Hynes (a.k.a. Blood Orange) e Ariel Rechtshaid (frequente colaborador dos discos das irmãs HAIM), que também dividem com Carly Rae os créditos de composição. Esta parceria é interessante no contexto de um disco inegavelmente pop vindo de uma grande gravadora, e mostra Carly Rae procurando influências fora do mainstream. O resultado é uma pérola em forma de canção, que brilha, reluz, encanta. 

A pausa para respirar termina já com “Boy Problems”, uma canção divertida e, de certa forma, feita para ser cantada e contemplada coletivamente ao reunir e priorizar amizades femininas acima de qualquer “problema com garotos”. O clipe conta com a direção da prestigiada Petra Collins (que assina também o clipe de “Fetish”, de Selena Gomez) e conta com a participação especial da atriz, jornalista e ex editora-chefe da RookieMag, Tavi Gevinson, criando um sonho oitentista e feminino diante de nossos olhos. 

Em meio a tantas grandes colaborações, a sétima faixa do álbum, “Making The Most Of The Night”, possui uma versão demo da cantora Sia, e ganha, na voz de Carly Rae, momentos de tensão e adrenalina que logo depois explodem com uma animação já familiar nesse ponto do disco. “Your Type” é a canção em que a artista melhor exercita o storytelling na composição, pintando momentos e cenários vívidos e conhecidos a quem já passou por um amor não-correspondido. Um dos momentos de destaque é o solo de saxofone deslumbrante de “Let’s Get Lost”, que eleva a música a outro nível.

Em “LA Hallucinations”, a cantora reflete sobre a fama e a bagagem que vem com ela; apesar de ser uma faixa dançante, a letra mostra que Carly Rae não vê graça nesse glamour excessivo que faz com que as pessoas mudem sua essência. “Warm Blood” merece destaque por ser o ponto mais experimental do álbum, com produção sutil, quase espaçosa, e distorções nos vocais de Carly Rae. A extremamente bem produzida “When I Needed You” encerra a edição tradicional do álbum, reforçando, depois de tantas faixas sobre um tão sonhado amor, que apesar da busca, o mais importante é o amor próprio, uma mensagem clássica, mas definitivamente nunca irrelevante. 

A edição deluxe de E•MO•TION merece toda nossa atenção ao disponibilizar três faixas tão boas quanto as presentes na versão tradicional do disco. São elas “Black Heart”, “I Didn’t Just Come Here to Dance”, que traz uma atmosfera mais misteriosa e sensual de Carly Rae, e “Favourite Colour”, que apresenta a melodia e os vocais de Jepsen deslizando pelos ouvidos e encapsulando sentimentos de uma maneira belíssima. Para quem ficou com gostinho de quero mais, a cantora ainda fez a bondade de, em 2016, lançar um EP com faixas descartadas, intitulado E•MO•TION: Side B, que foi tão bem recebido pela crítica e pelos fãs quanto o álbum em si.

Em tempos nada fáceis, quando qualquer tipo de sentimento parece ser demais, ou até mesmo de menos, os cinco anos de E•MO•TION chegam para nos lembrar da preciosidade do sentir e ansiar por sensações que só a paixão ao desconhecido pode nos proporcionar, nos fazendo dançar e sonhar. São sentimentos adocicados, mas longe de serem enjoativos.