Seja com um livro nas mãos e fone de ouvido ligado ou assistindo um filme com uma trilha sonora brilhante, as artes sempre estiveram interligadas de alguma forma. A história da música com o cinema e a televisão é um caso antigo, mas onde fica a literatura nisso?
Para o duo paulista Atalhos, a relação da música com a literatura é primordial. Repleto de referências aos mais diversos livros (clássicos e contemporâneos), o projeto busca novas formas de criar enquanto planeja o segundo disco da carreira, ainda sem data de lançamento previsto.
“A Tentação do Fracasso”, faixa-título do próximo trabalho de estúdio, foi inspirado no livro de mesmo nome do peruano Julio Ramón Ribeyro, segundo o próprio durante uma entrevista exclusiva ao Mad Sound: “Julio Ramón Ribeyro passou mais de 30 anos mantendo um diário que acabou levando o título de La Tentación del Fracaso. Uma frase nesse diário ficou martelando na minha cabeça quando eu pensava se valia a pena seguir com a banda e compor/gravar um novo disco. ‘Los artistas jamás se equivocan, ellos solamente fracasan’. Nosso disco vai se chamar A Tentação do Fracasso por causa desse livro e, especialmente, por conta dessa frase que me marcou.”
Na entrevista, o duo explicou um pouco sobre a importância da literatura nas suas composições. “A literatura sempre está presente nas nossas músicas, às vezes de maneira mais evidente e explícita, outras vezes de maneira mais indireta. Mas sempre tem algo de literatura nas nossas canções porque ela é a fonte que a gente mais bebe na hora de imaginar nossas histórias, afinal cada música é uma história também. Por outro lado, eu tenho tentado colocar essas influências literárias de maneira cada vez mais sutil para evitar que possa existir qualquer confusão com um certo pedantismo intelectual, o que seria terrível.”
“A literatura sempre foi, para mim, algo verdadeiramente natural, desprovido daquela pompa acadêmica, por vezes hermética e arrogante. O motivo de render homenagens à literatura nas nossas músicas tem somente a ver com a paixão e o entusiasmo que muitos livros, autores e autoras nos emprestam durante a nossa inspiração na hora de criar.”
Para o segundo single, “Mesmo Coração”, Atalhos expande o imaginário literário e com uma session inédita, cria uma visão imagética do que a canção traz consigo. No vídeo, o duo aparece com a banda completa para mostrar o que podemos esperar assim que pudermos vê-los ao vivo. Com direção de Daniel Barosa e Tata Leon no cenário, figurino e arte, eles criam uma atmosfera acolhedora para os sentimentos que a faixa trás à tona.
A sintonia que o grupo traz no seu visual é sempre uma mistura das artes e na entrevista eles deixaram isso mais claro: “Na cenografia a gente sempre traz referências de filmes, mas também de clipes de outras bandas que gostamos, enfim, buscamos sempre fazer essa conexão com outras artes e aproveitamos quando vamos gravar um clipe ou uma session para explorar essas ligações.”
O trabalho do Atalhos com Daniel, Tati e Thata Jacoponi resultou em uma identidade visual conectada e linear que muitos músicos buscam alcançar, nos lembrando como as artes se ligam na mesma frequência. “Essa interação com artistas de outras áreas, como nesse caso da identidade visual, é um dos motivos pelos quais seguir criando música é um exercício que entusiasma, porque podemos expandir as ideias muito além da música, e unir outras linguagens artísticas que nos interessam como cinema, moda, fotografia, design etc.”
E isso, claro, é inspirado na busca de outras fontes de criação. Na entrevista, o grupo conta como a trilogia Os Caminhos da Liberdade de Sartre influenciou algumas de suas composições: “Qqueles livros foram combustível para várias canções que criamos depois. A maioria da nossa inspiração continua sendo o contato com outras obras. Quando a gente se depara com uma obra muitas vezes isso acaba despertando uma espécie de contemplação ativa, ou seja, gera também um senso de urgência criativa em nós, uma necessidade interior de criamos algo nosso.”
Para finalizar o papo, o grupo enviou uma mensagem de esperança e inspiração para todos nós (e bem que precisamos): “Sempre foi um desejo que a experiência de ouvir uma música nossa não terminasse com o fim de cada canção, mas que cada música pudesse convidar a conhecer outras obras (filmes e livros que amamos) etc. Sempre me interessou esse ‘além da música’ nos artistas que mais amo, e acho que se existe algo de positivo nas redes sociais para os artistas de hoje em dia é essa possibilidade de usar esse espaço para conectar com os fãs, gerando essa troca de influências, criando uma comunidade onde a relação entre artista-fã é uma via de mão dupla e enriquecedora para ambas as partes.”
“No caso do disco novo em particular, nós podemos prometer um trabalho bastante meticuloso em que lapidamos por meses e meses essa montanha sonora de sintetizadores, teclados e guitarras, violões, baterias, beats, vozes, pianos, saxofones.”