Diretamente de Barcelona, Paes conversa com o Mad Sound sobre sua trajetória e os meses decisivos de isolamento que moldaram seu álbum mais recente, Blue Tree Salvador. O cantor, compositor e instrumentista de Recife já completa 14 anos de carreira e acumula um total de sete trabalhos de estúdio, divididos entre quatro discos completos e três EPs.

Seu álbum anterior, Wallace (2020), foi produzido por Benke Ferraz, do Boogarins, e abriu as portas tanto para que Paes se mudasse para São Paulo, como para também estabelecer uma ponte com Portugal, onde o artista reside atualmente. A faixa “Espelhoz” recebeu uma nova versão na voz do artista português Hélio Morais com seu projeto solo MURAIS. A conexão rendeu uma parceria nas faixas “Amaciante” e “Shame” do Blue Tree Salvador.

A extensa jornada de Paes com a música e a arte começou em casa. Nascido em Recife, em uma família de classe média, ele reconhece que seus privilégios e o interesse dos pais em passar conhecimento artístico para os filhos foram parte crucial de sua formação. Segundo o artista, ele cresceu tendo contato frequente com exposições de arte, viagens e a coleção de discos de vinil e fita cassete dos pais.

Aos sete anos de idade, Paes ganhou um teclado japonês que ensinava a tocar uma variedade de músicas através de luzes. Entre elas, obras clássicas de Chopin e Beethoven. Sua curiosidade e habilidade de aprender rápido o levaram a estudar teclado, piano e teoria musical na Escola de Música MINAMI dos sete aos onze anos. Na adolescência, decidiu que queria tocar em bandas de rock com os amigos, então vendeu seu teclado Yamaha para comprar um baixo, o qual aprendeu a tocar de ouvido.

A estética azulada do álbum ‘Blue Tree Salvador’ foi pensada para representar o isolamento. Foto: Gabriela Krueger

A primeira banda da qual Paes participou se chamava Ivete Fubá. O nome era uma referência à história de origem do Pearl Jam, que teria tido seu nome derivado da geléia (jam) que a avó de Eddie Vedder – chamada Pearl – fazia. Na banda de Paes, um dos integrantes tinha uma avó chamada Ivete que era conhecida por seu bolo de fubá, o que selou o nome do grupo. De acordo com o artista, essa foi sua primeira experiência de verdade com o mundo da música. Ele e sua banda se apresentavam em festas de aniversário, concursos de bandas, matinês e chegaram a gravar sete músicas autorais em uma fita cassete.

Suas experiências na infância e adolescência ajudaram Paes a construir um alicerce que seria decisivo ao longo de sua vida e carreira: a amizade. Hoje com 33 anos completos, ele admite que segue trabalhando em seus projetos com pessoas que conheceu aos 12. A conexão com os amigos também foi peça central na construção do Blue Tree Salvador. Feito em época de pandemia e isolamento social, o disco contou com colaborações à distância de 14 pessoas. Entre a longa lista estão três integrantes do Boogarins, (Dinho Almeida, Ynaiã e Raphael Vaz com sua banda Carabobina), a multiinstrumentista e produtora ÀIYÉ, e Pedro Lacerda, do Applegate.

A ideia para o Blue Tree Salvador veio de uma noite de insônia. Depois do lançamento de Wallace, Paes se mudou de Recife para São Paulo e conseguiu fazer uma turnê de dez shows do disco antes do início da pandemia. Se encontrava em Belo Horizonte quando a notícia sobre o primeiro caso de coronavírus no Brasil foi dada e passou a noite em claro tentando decidir se voltava para São Paulo ou se ia morar com a família no Recife. Durante um curto período de sono, teve um sonho lúcido em que via uma persona que representava o Oráculo da Árvore Azul. Teve então a ideia para o nome Blue Tree Salvador, sendo “Salvador” a tradução de “savior”, ou uma figura destinada a salvar a humanidade. 

“Pensei que era uma boa analogia com o fato de que não existe um Salvador,” conta Paes. “Acredito que Deus, o Diabo, ou o Salvador estejam todos dentro de cada um de nós. A gente pode ser nosso próprio Deus, nosso próprio Diabo, cavar nossa própria cova ou trilhar um caminho de luz, digamos assim, dentro da nossa vida, das nossas escolhas e vivências. Me parecia uma boa representação, uma boa analogia. Era como se o oráculo fosse uma ilusão também. Pode ser apenas uma miragem. Também era um pouco contra essa coisa do mito. O mito do artista, o mito da celebridade, o mito de um salvador ou o próprio mito dentro da esfera política que a gente vive hoje no Brasil e em várias partes do mundo nessas ditaduras.”

Paes considera o Blue Tree Salvador como um diário e também seu disco mais sincero, verdadeiro e lo-fi. Foi o primeiro disco que ele precisou gravar sem o conforto de um estúdio profissional. O processo de gravação se deu em seu quarto em São Paulo, com um órgão analógico, uma guitarra, um baixo, um violão e um fone de ouvido de celular. Sua experiência com cursos de mixagem e sua formação em produção fonográfica o auxiliaram nesse processo. O resultado é um grande despejo de emoções e reflexões pessoais vividas durante a pandemia, mas por ter contado com a ajuda de muitos amigos, Paes considera este um disco muito “conjunto”.  

“É um disco que as músicas e letras falam muito de uma reflexão existencial,” conta. “Ao mesmo tempo, fala de reconstrução e de esperança também. E tem um tema muito presente que é a saudade e a memória, ou seja, a memória do afeto, a memória afetuosa da família, do Recife, dos amigos de Recife, de São Paulo… Como eu sou uma pessoa muito comunicativa e gosto de demonstrar muito afeto e amor, eu sentia muita falta de estar perto das pessoas.” 

Blue Tree Salvador é lançado através do próprio selo de Paes, Abismmo, e ganhou um mini documentário feito para registrar o processo de gravação e composição desse trabalho. Assista aqui.

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