O que te impede de seguir seus sonhos? Para Saturnina, a resposta era semelhante à de muitas outras realidades: viver a vida que seu pai queria para ela. De vivência pobre, era sonho dele que ela trabalhasse na área jurídica. Mas ela também carregava o peso e a esperança de um sonho não-realizado de sua mãe: ser cantora.

Saturnina é o nome do projeto iniciado durante a pandemia por Mia Blun. Depois de anos trabalhando na área jurídica, como era desejo do pai, Mia encontrou na música autoral um modo de escapar das jornadas extensivas de trabalho e das várias madrugadas sem dormir. Multiinstrumentista e autodidata, ela viu seus números no Instagram subirem muito rápido ao postar covers, e não muito tempo depois já tinha escrito músicas o suficiente para compor seu primeiro EP, Melancolia… por Diversão?

Seu crescimento foi nada menos que meteórico. A faixa de blues “Gato Preto” fez sucesso nas rádios de Brasília antes mesmo de ser lançada oficialmente. O primeiro show da vida de Mia Blun foi no Estádio Nacional de Brasília, a convite do Governo do Distrito Federal. Seus números no Spotify hoje acumulam mais de 48 mil ouvintes. Desse total, 7 mil são dos Estados Unidos, segundo ela. Apenas 4 meses após o lançamento de seu primeiro single, Saturnina é uma voz que reverbera ao redor do mundo.

Em entrevista ao Mad Sound, ela revela seu segredo: “A verdade convence”. Sua autenticidade e determinação em manter sua independência, junto ao empenho em divulgar sua música de forma orgânica, a levaram a um patamar que nem ela própria esperava. Sua rápida ascensão permitiu que ela trabalhasse com o renomado produtor Guto Campos. Mas, apesar da visibilidade que o mainstream a proporcionou, Mia Blun tem certeza absoluta de como quer construir sua carreira: com autonomia sobre seu trabalho e longe das estratégias padronizadas de divulgação nas redes sociais.

“Antes de ser desse mercado, eu sou ouvinte”, afirma. “E qual é o sucesso da Saturnina? Por que a Saturnina conseguiu bem mais ouvintes e exposição internacional, carreira internacional? Porque tudo o que eu fiz, eu fiz como ouvinte. O que eu, como ouvinte, gostaria de ver no Instagram? Eu gostaria de ver uma propaganda de ‘Faça o pré-save’? Foi o que tentaram fazer com a gente. Você tá implorando pra que escutem sua música? As pessoas têm que escutar porque elas acharam legal.”

“O que eu fazia era postar vídeos com meus amigos, curtindo [a música]”, continua. “É um vídeo pessoal, ninguém tá atuando. A primeira vez que fiz isso foi com ‘Melancolia por Diversão?’. Tava na balada com meus amigos, no rolê. 17 mil visualizações. E a propaganda do mainstream, com a menininha politicamente correta, bonitinha, padrãozinha, sem poder usar minhas roupas, meu estilo, deu mil visualizações. Então, o mundo cansou. As pessoas estão cansadas do enlatado.”

“Enlatado” é a última palavra que alguém poderia usar para descrever o Melancolia… por Diversão? O EP abre com elementos do flamenco e música cigana em “Avenida Paulista”, segue para uma homenagem ao carnaval do Recife em “Penso em Você” e passa por traços da música nordestina em “Jurema”. Tudo isso em meio a muito pop rock, rock alternativo, dream pop e blues – que aparecem nas três faixas finais. O sucesso avassalador de um projeto tão alternativo, especialmente em Brasília, ainda é uma surpresa para Mia Blun. A Saturnina nasceu em seu quarto, nas madrugadas, uma simples parceria com o amigo e produtor André Garotti. “Estou vivendo um sonho de adolescente depois de velha”, comenta.

Apesar de sempre receber o apoio da mãe no sonho de ser artista, a adolescência também não foi nada fácil para Mia Blun. Na época, ela não tinha recebido o diagnóstico de TDAH, então ninguém entendia por que ela não conseguia focar nos estudos e parecia ter um problema com figuras de autoridade. “Meu pai achava que era vagabundagem”, comenta. “A diretora da escola chamou minha mãe no primeiro ano de Ensino Médio e disse uma coisa absurda para alguém da pedagogia dizer. [Ela disse]: ‘Sua filha tem desvio de conduta. Ela não vai ser nada. Ela realmente não tem jeito’.”

Nos corredores da escola, Mia sofria bullying devido ao seu quadro de obesidade e ao modo como se vestia. A rejeição recursiva e a falta de respeito alheio geraram um novo problema que a acompanhou durante a maior parte de sua vida adulta: a codependência emocional. Após dois longos relacionamentos de 5 e 8 anos de duração, respectivamente, Mia Blun agora está solteira e descobrindo sua própria identidade.

“Eu namorei minha vida toda, mas precisei ficar 2 anos sozinha para descobrir quem eu sou sem um homem do lado”, conta. “Eu vi que eu ficava por carência e codependência  desde o início da adolescência. Então, meninas, vocês não precisam ter medo de ficar sozinhas, de não casar, de não seguir esse padrãozinho, 30 anos, estabilidade financeira… Eu consegui estabilidade financeira em 2020. Neguei dois casamentos. Eu vi que eu ficava pelo medo de ficar só. Eu não sabia como era a Mia Blun sem um homem do lado. E quando eu descobri, ai como é bom! Como é bom ficar de madrugada compondo, bebendo drink, escutando música sem ninguém e sem carência!”

O fim de seu último relacionamento permitiu que Mia Blun pudesse se dedicar a quem ela realmente é depois de muito tempo. Depois de muitos anos em uma relação que se tornou abusiva psicológica e emocionalmente, ela conseguiu dar vazão à sua verdadeira personalidade: uma mulher alternativa, humanitária, que trabalha diretamente com pessoas vulneráveis e que luta pelas minorias dentro e fora de seu trabalho na área jurídica.

“É muito importante que a gente tenha representatividade, sabe?”, comenta. “A gente tá tendo uma quebra de representatividade com os nossos deputados. São homens brancos, fazendeiros, evangélicos, querendo legislar sobre mulheres, sobre LGBTQIA+, sobre racismo, então assim.. por isso que tá tudo errado, né?”

Na música, Mia Blun promete um álbum da Saturnina com 12 músicas para junho. O disco se chama Música Triste Para Chorar e, segundo ela, “vai quebrar paradigmas”. O novo single, “Paranoia Gigante”, um rock contagiante e enérgico, já está disponível nas plataformas digitais. Ao final de nossa conversa, ela deixa um recado para aqueles que, assim, como ela, tiveram um sonho durante toda a sua vida:

“O recado que eu dou para as pessoas que estão lendo essa entrevista é: tudo é possível. Acredite. Acredite. Mentalize como se você já tivesse conseguido as coisas. Eu sempre mentalizei que eu era rockstar. Eu sempre mentalizei que eu era professora, que eu ia ajudar e fazer projetos sociais, e tudo isso aconteceu. Você cria a sua realidade. Não deixe ninguém falar que é impossível. Seja útil, ajude as pessoas. A gente tem que ser uma comunidade.”

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