Belchior pode até cantar e, certamente inspirar ao cantar, “Ano passado eu morri / mas esse ano eu não morro”, no clássico “Sujeito de Sorte”. No entanto, para progredir, espandir, e mudar, a destruição, por vezes, é necessária e bem-vinda. Se para Eli Iwasa, um dos maiores e mais conhecidos nomes da música eletrônica do país, indicada ao prêmio de Melhor DJ do Ano pelo Women’s Music Event Awards, maior premiação feminina do país, e eleita a 2ª melhor DJ no Top 100 DJane, o ato de se reinventar já constava em seus planos fixos, o definidor e devastador ano de 2020 certamente não foi excessão à essa regra.

Em entrevista ao Mad Sound, a multiartista explora suas maiores conquistas do passado, as lições aprendidas com a nova geração de DJs e idealizadores de festas no brilhante momento atual da música eletrônica brasileira, e o que vislumbra sobre um futuro ritmado sem previsão para desaceleração de quaisquer batidas.

Mad Sound: Eli, lembro de te ver no WME Conference este ano ao lado de Cashu, da Mamba Negra, Lei Di Dai e DJ Donna. Apesar de já ter visto tanto na indústria da música, quais são as maiores lições que essa geração mais recente de profissionais estão te ensinando, e qual é o conselho que você se pega mais dando para essas mulheres?

Eli Iwasa: Os últimos anos foram de muito aprendizado e de desconstrução, principalmente acompanhando e trabalhando com artistas da cena independente. Entendi melhor qual o meu papel enquanto mulher, artista e dona de clubs num momento como o nosso na cena e no país, em como nossos espaços e nossa voz é capaz de provocar transformações importantes no universo e na comunidade que o club forma. De perceber que tenho responsabilidade de promover algo que vá muito além do entretenimento de qualidade. Com certeza, aprendi muito mais do que ensinei com as gerações que vieram depois de mim. O único conselho, se é que posso dar algum, é seguir fiel ao que acredita, e não dar muito ouvido ao que as pessoas dizem. 

MS: A música eletrônica sempre teve seu público e parte garantida na indústria musical. No entanto, há alguns anos as festas de techno se tornaram uma febre capaz de intrigar pessoas que nunca haviam considerado participar desse mundo. Como você analisa esse “boom”?  

EI: A música eletrônica brasileira chegou ao mainstream, à massa – hoje você ouve música produzida aqui nas maiores rádios, e em horário nobre de canais abertos na TV. Consequentemente, o techno e outras vertentes menos comerciais também alcançarem novos públicos e saíram de seus nichos para falar com grandes audiências. Em São Paulo especificamente, os núcleos da cena independente tiveram um trabalho muito importante para tornar a cena mais inclusiva – não só mais diversa em suas curadorias, mas também garantiu um acesso mais democrático a seus eventos. As festas independentes permitiram que muitas pessoas não só frequentassem, mas também participassem ativamente como DJs ou performers, de um entretenimento que sempre foi elitizado no Brasil. Ao longo dos anos, isso se potencializou, e foi fundamental na fomentação da cena underground atualmente.

MS: O mundo sabe que da música eletrônica e suas vertentes você sabe e muito sobre. Mas quais artistas e gêneros possuem um lugar frequente em suas playlists ou no toca discos que você acredita que o público ficaria surpreendido?

Sou do rock desde sempre, minha coleção de discos começou dentro deste estilo. Fui aprofundando minha pesquisa desde a adolescência, quando matava aula no colégio, para passar o dia na Galeria do Rock atrás de raridades e bandas obscuras –  gostava de cold e dark wave, artistas da 4ad como Dead Can Dance e Cocteau Twins, góticas como Christian Death, Fields of The Nephilim, e Sisters of Mercy, até hardcore como Fugazi. Durante a quarentena, acabei ouvindo muitos artistas que tem um valor afetivo para mim, Fleetwood Mac, Nick Cave, Jeff Buckley, Neil Young, The Cure

MS: Este ano parece ter sido tanto sobre se apegar à nostalgia pela incerteza do presente e do futuro. Com isso, gostaria de, de certa forma, te desafiar e perguntar: qual festa que você já tocou é a que mais te marcou, e qual evento que você já idealizou vai ficar para sempre na sua história?

EI: Toquei em muitos eventos inesquecíveis, mas se for para citar só um, acho que foi o Rock In Rio. Não foi o meu melhor set, mas o significado de estar ali é enorme para mim. Assistia o festival pela TV, e como boa pisciana, ficava sonhando se um dia me apresentaria ali. Eu queria ter banda quando era menina, o que não deu certo porque era péssima guitarrista haha. Parecia algo distante, inatingível, reservado para superstars e grandes bandas de rock. Receber o convite para tocar, no maior palco eletrônico de todas edições, foi um momento de grande afirmação na minha vida, aquele sentimento de que realmente “deu certo”. Meu pai não conhece nada do mundo eletrônico, mas vibrou muito quando ficou sabendo do Rock In Rio, foi uma baita realização para ele também. O mais importante de tudo é que pude compartilhar isso com ele, que viajou comigo para me ver ao vivo, e ficou o tempo todo no palco.

O evento que ficou para história provavelmente foi o Laurent Garnier no Caos [club localizado em Campinas, interior de São Paulo, que Eli é uma das sócias]. Sempre quis que ele tocasse em meu club, mas queria quando soubesse que poderíamos proporcionar uma experiência à altura do que ele merece. Dois meses antes de inaugurar o Caos, fiz o convite, e deu no que deu. Foi muito emocionante. 

MS: DJ, empresária, modelo, e muito mais: em tempos de agradecer pelo que já temos, o que você deseja para sua carreira em 2021, e quais desafios inéditos você gostaria de enfrentar no futuro?  

EI: Só espero que possa cair na estrada de novo, levar a música mundo afora com leveza e segurança. É só o que peço, dias leves e com saúde! Desafios não sei, mas tem muitos projetos que vou tirar do papel em 2021, de podcast à programa de rádio. O que mais quero é seguir apaixonada pelo o que faço, empolgada com novas ideias e planos, sem me acomodar, em uma carreira sólida, longínqua, e que possa, de alguma maneira, inspirar outras pessoas a seguirem seus sonhos. 

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