Introspecção e reclusão são duas palavras que resumem bem o estado físico e de espírito do mundo desde o início de 2020. É fato que a vida se tornou mais pesada e que às vezes é preciso diminuir o barulho antes que alguma nota fatídica bata mais forte e nos estilhace em pedaços.

Em meio ao segundo outono pandêmico, enquanto marchamos rumo a mais um inverno cruel, é um alívio encontrar algum tipo de conforto e aconchego oferecido por outro alguém. E isso é parte do que as novas músicas de Lyra Blues nos trazem, com suas letras intimistas e som minimalista conduzidos pela voz doce da cantora.

Lyra Blues é o nome artístico de Mariana Pizzol. Afeiçoada a temas que envolvem o universo e astrologia, a cantora buscou inspiração nas estrelas até encontrar a constelação de Lira, o instrumento tocado por Orfeu na mitologia grega. Suas primeiras composições foram lançadas entre 2019 e 2020, formando um quarteto de canções em inglês e trazendo forte influência do rock e do blues (de onde vem a segunda parte de seu nome), se inspirando em nomes como The Doors, Jimi Hendrix e Os Mutantes para falar de paixão, como na envolvente “Dream Man” e a divertida “Golden Boy”, e uma decepção quase agressiva na eletrizante “Praise”, que acaba por desaguar em despedida e transformação na comovente “Blonde Curls”.

Em entrevista ao Mad Sound, Lyra Blues falou um pouco sobre o novo quarteto de singles que está lançando no primeiro semestre de 2021 e a vida durante o isolamento social. É possível notar em seus novos projetos e até mesmo em seu jeito de falar, que a cantora carrega consigo um tipo de introspecção e reserva que é difícil explicar para aqueles que não partilham das mesmas características. Sua arte e suas composições falam tão bem por ela quanto suas próprias palavras; um traço que apenas uma certa dose de solitude e autoconhecimento consegue proporcionar aos artistas mais sensíveis.

A solidão e a reclusão não são um problema para Lyra Blues. Agora morando sozinha, ela encontrou uma sensação de liberdade e conforto em poder fazer pequenas coisas sem a supervisão alheia, como acender seus incensos, ouvir música no volume que quiser e comer nuggets na hora do jantar. “Eu sempre fui uma pessoa sozinha e muito independente,” relata. “Eu adoro a introversão e eu adoro a solidão. Acho que me ajuda a compor. Claro que eu sinto a falta do social e sou uma pessoa extremamente social até certo ponto, mas eu sempre fui uma pessoa que aprendeu a ser independente, até mesmo pela sensação de não-pertencimento.” 

A sensação a qual Lyra Blues se refere é descrita mais detalhadamente na música “Insolente”, que descreve o desconforto de notar que sua presença se torna inconveniente em determinados espaços. Lyra revela que sentir-se deslocada é um tema recorrente em sua vida desde os tempos de escola, e que sempre foi comum para ela passar por vários grupos de amigos sem sentir que de fato pertencia a algum deles.

A canção adota um som minimalista para ambientar uma letra que é ao mesmo tempo muito pessoal e também muito acolhedora para aqueles que conseguem se identificar com o sentimento. Ela segue um pouco da linha sonora do primeiro single desse quarteto, a doce e suave “Contra-Maré”, que fala da sensação de se deparar com um relacionamento que parece “bom demais para ser verdade”, principalmente depois de uma experiência anterior ruim. Aqui, Lyra Blues fala sobre a insegurança e o medo de aceitar as coisas boas, literalmente lutando “contra a maré” e a fluidez da relação e dos acontecimentos, até finalmente se entregar.

Em seus dois últimos lançamentos, a cantora decidiu mesclar o português e o inglês, como acontece na nova “Caos”, que traz um som mais elaborado e “duro”, como descreve Lyra, para falar sobre identidade e “ser o vilão da história”. O ciclo deve se encerrar ao fim de maio com o lançamento do último single, “Casulo”, que recupera um pouco desses tempos de isolamento para falar sobre a construção de nosso próprio mundo pessoal.

“Eu acho que tem uma questão muito prazerosa de a gente criar um mundo nosso, um momento nosso,” fala Lyra Blues. “Às vezes nem precisa ser uma coisa tão grande, mas aquele momento de se cuidar, de passar um perfume que a gente gosta, de usar um tal óleo que a gente gosta. Eu acho que tem um conforto.”

É evidente a importância da arte como forma de expressão autêntica na vida de Lyra Blues. Tendo passado brevemente pela faculdade de Artes Visuais, é ela que desenha todas as capas de seus singles, certificando-se que elas reproduzam o seu próprio modo de ver, entender e sentir suas composições autorais. Escorpiana de Ascendente em Aquário e Lua em Capricórnio, a trindade que ela chama de “os três chatos do zodíaco” acaba denunciando a maior parte de suas características mais bonitas enquanto pessoa e artista: a internalização profunda de sentimentos e experiências para então o deságue sem filtro na arte, que é feito com toda a sinceridade, honestidade, e completamente dentro de seus próprios termos.