Segundo a tarologia, o arcano maior de número dezoito, “A Lua”, possui diversos significados, entre eles, a do mistério, da intuição, mas mais do que isso, da árdua e vulnerável busca interna entre a melancolia, dualidade que podem levar à cura emocional. A profundidade presente da etérea carta parece ter similaridades com o que Daniel Tupy, baixista da Marrakesh, explora em seu primeiro EP solo Bem, que chega nesta sexta, 09, via LogoLogo.
Apesar da referência ao satélite natural da Terra, Tupy inicia o projeto comparando sua vida como ao complementar oposto intergalático da Lua: o Sol na imponente mas sonhadora faixa de abertura “Torcer pra Deus”, que já possui temas e características de sonoridade e composição presentes em outros momentos do projeto, como explica em entrevista ao Mad Sound. “Foi uma coisa de como a gente cria nossa imagem hoje em dia, na Internet e enfim. Você cria um personagem,e mesmo que seu personagem não sendo perfeito, o que você mostra na sua rede social é o que você quer mostrar, não é você de fato. E até mesmo essa coisa de idealizar artista: todo mundo é comum! A idealização está na sua cabeça.”
A canção, que é dividida pelo inglês e português é uma das características mais importantes do trabalho de Tupy, se tornando parte de sua forma de expressão mais autêntica durante o EP, “A parte em português é muito cheia de si mesmo, de uma personalidade minha que é cheia de si mesmo, sou único, e o português como eu vejo como uma coisa muito crua assim, né, eu me expressar em português não tem uma defesa nem nada (…) E na parte em inglês eu queria tomar posse desse personagem de ‘Não, tá tudo tranquilo’, essa coisa mais idealizada”, ele conta.
A característica do projeto a respeito de sua dualidade entre o inglês e o português acontece devido à uma tentativa de Tupy de exercitar mais sua composição que, segundo ele, possui suas músicas favoritas no português, tendo como destaque “Escravo da Alegria“, de Toquinho e Vínicius de Moraes, que até ganhou um lugar de honra sendo tatuada em seu corpo. Além do mais, o artista tem como meta enaltecer ainda mais o trabalho da música brasileira e não tentar chamar atenção da mídia e indústria musical estrangeira fingindo e esnobando o tesouro artístico e cultural que possuímos no Brasil. Daniel, inclusive, cita como exemplo prático o fenômeno do k-pop e a girlband BLACKPINK, ressaltando que apesar de grande parte de suas músicas serem em coreanos, isso não impediu que o gênero dominasse boa parte do mundo, incluindo o cobiçado mercado norte-americano.
O projeto continua com “Pra Quem?”, colaboração com Vitor Milagres, da ROSABEGE, que instantaneamente ganha uma natureza inusitada sobre o amor romântico com o sample retirado do filme O Céu de Suely, de 2006, e se trata de um desabafo que tenta compreender mas combater a idealização e priorização agressiva e até obsessiva do amor como relacionamento romântico acima de tudo, insistindo que o final de um namoro não precisa ser o término de uma relação com respeito e carinho entre duas pessoas.
Incluindo o single “Bem”, que leva o nome do EP, a natureza melancólica do disco sempre possui uma espécie de raio de sol entrando no meio da escuridão, exibindo um lado de Daniel que, apesar dos pesares, tenta crescer e aprender dos momentos desafiadores da vida. “Essas três [faixas] foram feitas nesses meses esse ano, e só a última foi feito ano passado, então foi muito o meu sentimento comigo. Eu quis focar esse trabalho em mais sentimentos meus, na minha vida, em um microespaço, e o que eu queria escrever era mais exorcizar o que eu tinha passado e ter uma visão otimista de melhoria, de amadurecimento…”
A exceção da luz no final do túnel fica por conta da última faixa, “Empty Side”, a única do projeto totalmente em inglês e que, de certo momento, parece proteger o artista através da composição na língua estrangeira, tendo em vista a grande vulnerabilidade presente em seu conteúdo que, em suas palavras, deixa a angústia tomar conta e não precisar pedir desculpa por ser pessimista de vez em quando. A estrondosa permissão é libertada através de sintetizadores e destorções de voz que contrastam com momentos mais estáveis da música, trazendo uma verdadeira sensação de perturbação, acabando o disco com uma sensação introspectiva que certamente faz o ouvinte a refletir as sensações e sentidos atiçados durante a escuta do EP.
Utilizando muito bem de influências que discorrem desde James Blake e Dirty Projectors até toques de downtempo e trip hop (ouça logo abaixo a playlist de referências do EP!), Daniel Tupy se apresenta e compartilha com o mundo com um consiso mas coeso projeto que nos fazem apreciar a magia e o prazer da criação da música como forma de expressão, cura, questionamento e permissão.