Aos 25 anos, Ymbu é um artista que faz músicas que aquecem o coração com o calor do Nordeste. Em julho, ele lançou seu primeiro EP, O Que Será do Carnaval, e se apresentou para o mundo com o melhor que a música nordestina pode oferecer, trazendo canções que passam pelo xote, maracatu, forró, manguebeat e até rock psicodélico.

As cinco faixas do projeto são ricas em significado e em ritmos brasileiros, soando como um verdadeiro abraço orgulhoso de Ymbu em sua identidade. O EP traz temas de saudade e solidão provocadas pela pandemia em faixas como “Melô de Salvador” e “Rua”, e abre com um forte questionamento de teor político em “O Que Será?”: “Será que na boca do lobo, na fila do osso, o meu povo vai sobreviver? Será que com a boca no osso sobrevive o povo por não ter tempo pra viver?”

Em entrevista ao Mad Sound por e-mail, Ymbu nos contou sobre sua trajetória com a música e o significado por trás do EP O Que Será do Carnaval. Confira na íntegra:

Mad Sound: Olá, Ymbu! Tudo bem? Seu nome é bastante interessante e diferente. Pode me falar um pouco sobre a origem dele?

Ymbu: Salve pessoal da Mad Sound! Que honra estar por aqui! Primeiramente gostaria de dizer que adorei as perguntas, além de estar muito feliz por estar aqui dando uma palavrinha.

Esta é uma pergunta que as pessoas me fazem bastante. Minhas origens familiares são muito importantes na minha carreira, na minha musicalidade e também no meu modo de vida. Gosto de resumir a questão do nome em 2 partes: uma como uma semelhança com o sobrenome Umburana, que era para estar no meu nome, mas que foi trocado por algum bisavô para “Paiva”. Outra como uma referência direta ao local de nascimento do meu avô: uma cidade entre Pernambuco e a Paraíba chamada São Sebastião do Umbuzeiro. Umbuzeiro, chamado por Euclides da Cunha como “árvore sagrada do sertão”, dá o fruto umbu, cujo nome de origem vem do tupi-guarani “Ymbu”.

MS: Você pode me contar um pouco sobre sua trajetória com a música? Quando e como você decidiu que gostaria de fazer música?

Ymbu: Certo dia tive vontade de aprender um instrumento. Lembro-me que tinha 12 anos de idade e ganhei uma guitarra baratinha da minha família. Uma Phoenix Stratocaster, que tenho até hoje. Ainda acho que vendo meu pai cantar com colegas canções clássicas da música nordestina ou mesmo minha irmã assistindo MTV quando adolescente sempre mexeu comigo de alguma maneira. Arranjei uma bandinha, inventei de começar a cantar com 14 ou 15 anos. Aos 16, uma banda de thrash metal, onde eu também cantava. Depois, veio um projeto de rock progressista-tropicalista-psicodélico, este mais próximo do meu som atual, mas que se desfez depois de um tempo. 

A indecisão com meus caminhos sempre me acompanhou, mas desde os 15 anos eu digo a mim mesmo: “Se eu não me envolver profissionalmente com a música um dia, minha vida estará incompleta”. Com o tempo, essa ideia foi se intensificando, enquanto outros caminhos (como universidade) foram perdendo o sentido. Simultaneamente, percebi que não há lugar mais confortável para mim do que um palco.

MS: Quais artistas mais te inspiraram e te inspiram até hoje e por que?

Ymbu: Tudo que sempre escutei pode ser considerado uma inspiração para mim! É como uma bagagem onde nada se perde. Desde o rock, o pop-punk, o thrash metal da adolescência (que de vez em quando amo revisitar) até os grandes clássicos da música brasileira, de Luiz Gonzaga, Geraldo Azevedo, Gil, Alceu. Estes últimos, impulsionados pelas influências familiares, que fizeram as músicas se tornarem algo nostálgico para mim. Acredito em seguir uma musicalidade própria, mas é impossível tirar do meu inconsciente a linda forma do Gil de tocar, a energia na voz de tenor de Alceu Valença ou a delicadeza na composição de Luiz Gonzaga e Dominguinhos. Ah, e claro, a filosofia na mistura de ritmos do manguebit, diretamente de Recife. A grande maioria disso tudo vem do nordeste.

MS: Vamos falar sobre o EP ‘O Que Será do Carnaval’. Como surgiu a ideia para esse projeto e qual a história por trás do nome e do EP no geral?

Ymbu: Depois de um longo processo de descobrimento da minha composição e da minha musicalidade, comecei a perceber que minhas músicas tinham algo que as unia. Escolhi algumas das várias composições que tenho, chamei o produtor Rico Manzano e começamos a trabalhar com elas, bem aos poucos. Lancei algumas como single: “Melô de Salvador”, que produzi aprendendo técnicas do Logic com conhecidos, depois “Cajueiro” e “Rua” (estas duas com produção do Rico). A ideia, desde o começo, era lançá-las juntas como um EP. Estávamos trabalhando com “Nova Cigana” e o Rico disse que seria uma boa termos uma introdução para o EP.

Com toda a incerteza, angústia e medo da pandemia, o nome “O que Será do Carnaval?” me surgiu na cabeça. Achei um título forte. Depois, procurei algumas gravações no meu celular e lembrei de uma batucada que eu havia gravado no Sindicato do ABC, no dia que o Lula se entregou à polícia, em 2018. Ela se encaixava perfeitamente, porém uma melodia se criou na minha cabeça, e fiz em pouquíssimos minutos uma letra por cima dela, desenvolvendo toda a produção.

Por fim, virou “O Que Será do Carnaval“, sem interrogação, como o EP revelando algo, uma resposta para quem escuta.

MS: No seu release você conta um pouco sobre como a introdução ‘O Que Será?’ surgiu e sobre o momento histórico que você estava presenciando. A música em si traz vários questionamentos que podem ser relacionados à escassez e à insegurança que enfrentamos atualmente no nosso país. Qual sua visão sobre o Brasil que você viu naquele dia de 2018 e o Brasil que temos agora em 2022?

Ymbu: Estávamos tomando contato, aos poucos, com este Brasil-delírio, essa coisa quase distópica já em 2018. No começo, ninguém acreditava no que poderia acontecer de pior. De repente, todo mundo foi pego de surpresa, até que chegou a prisão do ex-presidente e depois a eleição.

Tudo estava muito confuso e angustiante, e quem era pró-democracia estava completamente perdido, se sentindo impotente e massacrado por uma onda fascistóide extremamente violenta. Era uma tragédia anunciada, uma sensação de “Estamos tentando avisar, isso vai dar muito errado”

Hoje, acho que há um enorme sentimento de exaustão e um certo suspiro de esperança, já que tanta coisa ruim aconteceu e muita gente que estava completamente cega, foi se arrependendo das besteiras e mentiras que acreditou em 2018. Não dá para ignorar o fato que o Brasil piorou muito, muita gente perdeu sua vida depois de um período traumatizante e irresponsável que foi a pandemia. Estamos sofrendo e ainda vamos sofrer muitas consequências da destruição moral, civilizatória e econômica destes últimos anos. Me assusta a quantidade de pessoas que ficaram sem rumo e hoje vivem na rua em São Paulo. Isso é simplesmente inaceitável.

MS: A música nordestina tem uma forte história de resistência e também de preservação cultural. Senti muito de ambas as coisas nas suas músicas. O que te fez se dedicar à música nordestina no seu primeiro trabalho?

Ymbu: Acho que todas as questões familiares e das minhas origens que citei por aqui. Toda a minha família é do nordeste, principalmente Recife, menos eu, que nasci em São José dos Campos um ano depois dos meus pais virem morar no estado de São Paulo. 

Na música brasileira, os artistas que mais escuto e mais mexem comigo vem quase todos do nordeste: Gil, Alceu, Zé Ramalho, Chico César, Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Geraldo Azevedo, Xangai, Cátia de França, Raul Seixas, Caetano. A potência e a vastidão na musicalidade nordestina é algo infinito, encantador, impressionante. Há muito do que aprender e misturar nesses ritmos todos.

MS: Quais são seus planos para o futuro?

Ymbu: Quero levar meus lançamentos para cada vez mais gente, fazer shows cada vez maiores pois, como disse, o palco é o melhor lugar para mim. Tenho muitas composições para lançar, e estou doido para começar a trabalhar no meu disco de inéditas (que, aliás, sempre foi meu sonho fazer). Sinto muita coisa vindo por aí e apenas começando. Enquanto trabalho na divulgação do EP, espero começar a viajar pelo país num futuro não muito distante, para levar meu som às pessoas.

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