É bem verdade que música não tem gênero e nós nos conectamos com aquilo que faz sentido no âmbito pessoal, mas o poder de uma banda formada por mulheres é algo que não passa despercebido em lugar algum. De The Runaways a L7 nos anos 80, ao metal nacional atual com Crypta e Nervosa, ou até mesmo girl bands e girl groups como Destiny’s Child, Little Mix e Blackpink, quando mulheres se juntam para fazer música, o mundo para pra ouvir.

Não é a toa que um quarteto como The Beaches tenha ganhado espaço na internet recentemente, especialmente com o lançamento de seu novo álbum, Blame My Ex (2023). Formada pelas irmãs Jordan e Kylie Miller com o adicional de Leandra Earl e Eliza Enman-McDaniel, a banda canadense que está na ativa há 10 anos teve seu primeiro momento viral com o lançamento do single “Blame Brett”; uma faixa bem-humorada de pop rock com ares oitentistas que faz referência nominal ao término do relacionamento da vocalista Jordan Miller com o também vocalista Brett Emmons, do The Glorious Sons.

É natural que a relação entre dois artistas e o uso literal do nome de um deles tenha atiçado a curiosidade do público, mas essa não é a única razão para o sucesso das Beaches, seja no TikTok ou estreando na Billboard. “Blame Brett” tem todas as características necessárias de um single carro-chefe de sucesso: é descontraída, dançante, com uma pitada de sarcasmo, humor ácido e raiva feminina (o famoso female rage). Nela, o eu-lírico de coração partido decide se vingar do término tomando decisões ruins e colocando a culpa no ex-namorado. “Peço desculpas desde já / Eu só vou te tratar mal / Provavelmente vou te decepcionar / Provavelmente vou te trair / Mas não me culpe, culpe o Brett / Culpe o meu ex”, canta Jordan em um refrão chiclete e contagiante.

Em sua primeira entrevista para um veículo brasileiro, Jordan Miller conversou com o Mad Sound sobre o processo de criação do Blame My Ex. Apesar de encontros amorosos e suas reviravoltas serem temas universais, a maneira como as Beaches contam suas histórias de um ponto de vista pessoal abre um universo de possibilidades a ser explorado e desfrutado majoritariamente por uma audiência feminina. Músicas sobre frustração, desejo, negação e liberdade se entrelaçam de maneira deliciosa ao longo de 32 minutos que são uma verdadeira viagem de montanha-russa através da ótica feminina sobre relacionamentos e amadurecimento.

Ostentando números virais no TikTok e a estreia do grupo em #21 na Billboard, o Blame My Ex tem sido um ponto alto na carreira das Beaches, mas o processo de criação do disco aconteceu em meio a um dos pontos mais baixos da trajetória da banda. Todas as integrantes tinham terminado relacionamentos há pouco tempo e tinham acabado de ser dispensadas por sua antiga gravadora. Era um momento de muitas dúvidas e nenhuma certeza que elas usaram a seu favor para se redescobrir criativamente e também se reinventar artisticamente, resultando no que a vocalista considera o “melhor disco” delas até o momento.

O processo de estar atravessando experiências semelhantes serviu para unir ainda mais as integrantes, tanto no trabalho quanto em suas relações pessoais entre si. Para Jordan, ter uma banda completamente formada por mulheres em um momento tão vulnerável fez toda a diferença. “Não quero generalizar porque existem homens maravilhosos no mundo, mas eu sinto que os homens trabalham pelos seus próprios interesses individuais, enquanto as mulheres trabalham pelos interesses da comunidade”, pontua. “Estando em uma banda cheia de mulheres, eu não me sinto tão sozinha. É ótimo estar em um grupo onde eu estou cuidando da minha equipe e minha equipe está cuidando de mim.”

Apesar dos momentos de melancolia, os primeiros traços do que viria a ser o Blame My Ex foram desenhados de maneira positiva, antes de Jordan terminar seu relacionamento. A primeira música a ser escrita para o disco foi a divertida “Kismet”, que ironiza um romance do cotidiano como um encontro de almas que estava escrito nas estrelas: “Eu continuo esbarrando em você / (Nós moramos na mesma rua) / Mas quais são as chances de eu continuar esbarrando em você?”. 

Quando o término aconteceu, esse foi o único tema sobre o qual Jordan conseguiu escrever, o que acabou se provando uma grande força catalisadora, especialmente quando compartilhada entre amigas e colegas de banda. “Eu tenho muita dificuldade em expressar meus sentimentos para as pessoas que eu amo, então escrever sobre o que eu estava passando foi um modo de compartilhar minhas experiências pessoais com a banda. E tocar comigo foi o jeito delas me mostrarem apoio. Foi como uma terapia”, conta a vocalista.

Um dos pontos altos do Blame My Ex é expandir sua narrativa para além do momento do término de uma relação e colocar em foco a busca feminina por se reencontrar e reaprender seus gostos, suas vontades e redescobrir o prazer de estar na própria companhia. Um dos destaques do disco que exemplificam bem essa fase é a carismática “Me & Me”. A faixa veio como um estalo para Jordan depois de ela assistir uma cena da série Sex & The City onde a personagem Carrie Bradshaw está bebendo uma taça de vinho sozinha, aproveitando a si mesma.

“Eu gostei muito da imagem de uma mulher solteira gostando de ser solteira”, explica Jordan. “E era mais ou menos onde eu estava mentalmente. Eu estava solteira há um tempo e começando a finalmente aproveitar meu tempo sozinha. E eu acho que as mulheres hoje em dia às vezes são muito julgadas e olhadas com pena quando estão sozinhas. Mas acho que passar um tempo sozinho pode ser algo muito fortalecedor, não só para as mulheres, mas para qualquer indivíduo.”

Solitude e solidão são duas palavras que aos poucos se tornam cada vez mais distantes no vocabulário das Beaches. Com o sucesso de “Blame Brett” e Blame My Ex, elas viram a plateia de seus shows aumentar gradativamente e recentemente fizeram parte da line-up de um festival de Natal que teve Red Hot Chili Peppers, Garbage e The Offspring entre seus artistas. No momento, os planos de visitar a América Latina ainda estão meio longe de ser delineados, mas Jordan demonstra entusiasmo genuíno ao falar que quer tomar muitas caipirinhas e que adoraria tocar no Brasil durante o período de calor em um festival como o Primavera Sound, por exemplo. “Estamos desesperadas para ir ao Brasil”, garante.

Como parece ser mais comum em casos de sucesso entre mulheres do que entre homens, Jordan admite que as Beaches passam por alguns momentos de “síndrome do impostor” ao ver que cada vez mais pessoas estão se interessando por suas músicas, mas em seguida racionaliza: “É importante lembrar que escrevemos um álbum muito bom e que a música normalmente fala por si só. É bom só surfar na onda. Tentar surfar na onda é algo muito positivo.”