Uma das bandas de rock mais importantes da Argentina, Él Mató a un Policía Motorizado tem presença confirmada na line-up do Primavera Sound São Paulo.

O grupo completa 20 anos em 2023 e acaba de lançar seu excelente novo álbum, Súper Terror: um retrato pessimista e apocalíptico de um mundo pós-pandêmico à beira de um colapso social e econômico. 

Em entrevista ao Mad Sound, o vocalista e compositor Santiago Motorizado fala sobre o novo disco, a conexão da banda com o Brasil, as diferenças entre a realidade latina e a de países anglo-saxãos, e discorre sobre como o contexto sociopolítico da Argentina transformou a Él Mató na banda que ela é hoje.

Confira na íntegra:

Mad Sound: Olá, Santiago! É ótimo falar com você. A Él Mató vai sair em turnê em breve com o álbum Súper Terror. O que podemos esperar dessa turnê?

Santiago Motorizado: Estamos muito felizes em lançar o Súper Terror, nosso novo álbum e sucessor do La Síntesis O’Konor. E estamos felizes com essa parte que, pra mim, é a mais divertida e que a mais gosto, que é tocar as canções ao vivo, sair em turnê e estar no palco. É o momento mais feliz da minha vida.

Estou contente em passar por toda a Argentina, de voltar a percorrer a América Latina, de voltar ao Brasil. Vamos voltar ao México, Peru, Equador, Uruguai, Chile, Paraguai, Colômbia. Também vamos para algumas cidades da Espanha.

Sair em turnê é a parte mais divertida de todas e estamos com muitas expectativas, muito ansiosos e muito felizes.

MS: Vocês acabaram de ser confirmados no Primavera Sound São Paulo e também em Buenos Aires. Como você se sente sendo parte do festival e qual é a maior diferença entre esses shows e os shows solo de vocês?

SM: A verdade é que prefiro quando tocamos em casas de shows. Ano passado tocamos no Cine Joia, em São Paulo, e no Bar Opinião, em Porto Alegre. Para nós foi muito especial porque temos uma relação muito especial com o Brasil. Algo que não é muito comum para uma banda da Argentina e da América Latina no geral.

A primeira vez que saímos da Argentina foi em 2007 e foi para tocar em São Paulo. E foi uma experiência que nunca vamos esquecer, porque o normal é que uma banda saia para ir a uma cidade argentina, não para ir ao Uruguai, ao Chile… Mas fomos a São Paulo pela primeira vez e foi incrível. Tocamos em um clube chamado Inferno, que acho que não existe mais. 

E a partir daí começamos a ir ao Brasil com muita frequência, todos os anos, e fizemos turnês em muitas cidades. Tocamos em Brasília, em Belém, em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás. Se não engano tocamos também no Mato Grosso, em Cuiabá. E a verdade é que se formou um laço tão intenso com o público brasileiro, tão carinhoso, que se criou algo muito especial.

Houve um momento em que deixamos de ir [ao Brasil]. Não pudemos apresentar o La Síntesis O’Konor. Houve uma desconexão por alguns anos que terminou ano passado quando tocamos no Cine Joia e no Opinião. Esse reencontro foi muito, muito especial para nós, pois não sabíamos o que esperar, não sabíamos se tinham se esquecido de nós ou se ia acontecer o que aconteceu: veio muita gente de todos os lugares e esse reencontro foi incrível.

Gosto muito de tocar em casas de show. Viver esse momento de conexão com o público é muito gratificante. Obviamente tocar no Primavera Sound é ótimo, somos gratos, mas a pergunta era sobre qual eu preferia e eu prefiro o outro [risos].

MS: Podemos esperar mais datas no Brasil?

SM: Por enquanto não tem nada confirmado. Com certeza vamos tocar em mais cidades, mas não sei quando. Não sei se vai ser na época do Primavera porque vamos tocar nessa edição e em seguida vamos para a outra e entraremos em uma turnê de festivais. Antes disso tocamos em Montevideo… A turnê vai se estender, então talvez agora não tenhamos a possibilidade de tocar em mais cidades do Brasil, mas se não for agora, será ano que vem, na segunda parte dessa turnê.

MS: A Él Mató já passou por várias países latinos, mas você também na tiveram uma turnê no Hemisfério Norte e nos Estados Unidos. Imagino que a experiência dos dois não seja a mesma. Qual é a maior diferença de público entre os países da América Latina e os países norte-americanos?

SM: É muito diferente. A verdade é que quando vamos tocar nos Estados Unidos, a maior parte do público é latina. Há um crescimento muito forte da comunidade latina lá, então um pouco de nossas turnê se apoia nisso. Também já tocamos em festivais muito norte-americanos, muito focados na cultura de lá, o que também é interessante. Saber o que está acontecendo na música alternativa dos Estados Unidos, em Los Angeles, em Nova Iorque.

A experiência, obviamente, é muito diferente, mas também é boa porque representa o desafio de ir até um público que não te conhece tanto, e o idioma também gera uma barreira. Mas também existe o prazer de se conectar com algo que é muito poderoso na cultura norte-americana, na música alternativa, no rock e no pop.

Não tocamos em tantos festivais assim. Tocamos no Primavera Sound Los Angeles ano passado, foi uma experiência muito boa, mas cada país tem sua idiossincrasia diferente. A verdade é que gosto muito de tocar na América do Sul e na América Latina porque sinto que se vive de outra maneira. 

Nós vivemos em uma realidade muito diferente da dos países anglo-saxões ou do Hemisfério Norte, o que nos leva a situações extremas, obviamente, e às vezes indesejáveis, ​​de desigualdade e pobreza, de conflitos sociais com os quais temos de lidar, mas também há nesse cenário a magia da arte. A arte tem a graciosidade de andar lado a lado com a realidade. Tem sempre uma lógica que corre paralela a todas as lógicas com as quais convivemos diariamente.

Nós também vivemos com uma intensidade diferente, ela também nos salva de uma maneira diferente. Então nós vivemos a arte, a música, a cultura, com um nível de paixão, mas com a cabeça inserida em uma realidade muito crua, mas muito real ao mesmo tempo. Muito viva. Para mim isso não se compara a nada, não troco por nada. Adoro fazer turnês pelo continente americano, pela América do Sul e América Latina, e viver isso em cada país. Esse momento de intensidade com a cultura, a música e a arte é inigualável.

MS: Eu concordo e isso se encaixa na minha próxima pergunta. Acho que a música dos países latinos tem uma essência diferente das músicas europeias ou norte-americanas porque nós vivemos em uma realidade diferente. Acho que a música argentina, especialmente, é muito poderosa e muito revolucionária, e vejo muito disso em seu novo álbum Súper Terror. O jeito como vocês abordam o mundo pós-pandêmico e o colapso da nossa sociedade em um sistema capitalista é algo que eu acho que nenhum estadunidense conseguiria abordar do mesmo jeito. Você pode falar um pouco mais sobre esse disco?

SM: O álbum foi muito atravessado pela pandemia e pelo pós-pandemia, que foi uma situação estranha, no sentido de ter sido celebrada. Obviamente, todos comemoramos o final da quarentena, mas também recebemos um mundo em que as situações básicas da sociedade não estavam resolvidas. Na verdade, até pioraram.

A pandemia colocou em evidência uma desigualdade que já conhecíamos, mas que não queríamos enxergar. Ou seja, quando tudo chegou ao limite eles nos disseram “Fiquem em casa”. Mas e as pessoas que não têm casa? Isso que é algo básico. É quando as coisas chegam a esse ponto que se torna mais fácil entender a desigualdade em que vivemos.

O álbum fala de muitas coisas, as letras são muito pessoais. Particularmente, minha vida mudou muito durante a pandemia. Me mudei de cidade, relacionamentos de muito tempo terminaram… Foram muitos momentos de reflexão e de tristeza, e também de muita expectativa pelo novo. Quando se termina algo, a pessoa automaticamente já começa a focar no que tem para vir e coloca boas energias e muita esperança nisso. Um pouco do álbum fala sobre isso.

Eu estava atravessado por esses sentimentos quando escrevi as letras. Mais tarde, os textos, no momento que você está escrevendo e criando, também começam a criar vida própria e a te levar a outros lugares. As músicas falam de algo, mas não só daquilo. Falam de muitas coisas. Existe esse gatilho que te motiva a escrever, mas depois elas podem tomar qualquer caminho.

A diferença dos outros álbuns é que todos estão tomados por certa melancolia. Esse álbum tem um pouco mais de raiva, tem um olhar mais voltado para essa realidade contraditória. Um mundo em que nos obrigam a viver em um tipo de superficialidade luminosa, mas que sabemos que é uma casca e que qualquer reclamação é deixada fora do algoritmo.

Expôr as trevas do mundo, as injustiças, as lutas sociais, é algo que parece estar fora do algoritmo, né? O algoritmo que busca nossa felicidade, nosso bem-estar, e nos deixa viciados nisso. Não falo diretamente disso, mas toda essa atmosfera atravessa um pouco do espírito do Súper Terror

MS: Em 2023, a Él Mató completa 20 anos de banda e eu acredito que o ambiente que cerca uma banda acaba sendo muito importante para ela. Como o cenário social, cultural e político da Argentina moldou e afetou o Él Mató nos últimos 20 anos?

SM: A verdade é que passamos por muitas coisas e muitas situações nos últimos 20 anos. Há algo no espírito da Él Mató que para mim é muito importante, que é que ela nasceu em um momento onde a Argentina entrou em uma das crises mais graves de sua história, talvez até a mais grave. Foi a crise econômica de 2001, uma crise que rachou o país.

Em 2002 começamos a juntar as primeiras ideias do que seria a Él Mató. No final de 2002 para 2003 começamos a gravar nosso primeiro disco. A edição foi terminada em 2004, mas acabamos lançando uma prévia em 2003. E a verdade é que aquilo era algo estranho. Nós vivíamos em uma cidade que ficava na periferia de Buenos Aires, que é a capital e a cidade mais importante da Argentina. Ou seja, é óbvio que é a mais importante, mas sinto que muito da Argentina está centralizado em Buenos Aires.

Acho que isso não acontece tanto no Brasil, por mais que possamos nomear São Paulo e outras cidades importantes, mas aqui parece que isso é mais forte. La Plata é uma cidade pequena, é muito importante, mas vive em uma dinâmica mais relaxada. Foi desse lugar que, em frente a uma crise, em um contexto muito desfavorável, acho que essa primeira ideia cresceu com a potência das coisas que nascem puramente pelo amor à ideia, à experiência, à aventura, à juntar-se com seus amigos, à fazer música. E isso não precisa te levar a lugar nenhum. Sem ambições, sem planos.

E em um contexto atual onde tudo se compara, onde estamos rodeados de estatísticas, onde o sucesso se mede pelos likes e pelos seguidores, onde sempre é encorajado que não podemos desperdiçar nosso tempo, que temos que estar em constante atividade produtiva… Aqueles dias eram muito diferentes.

Não tinha essa exposição, não tinha redes sociais, não tinha plataformas digitais. A gente tinha que levar nossos álbuns para as lojas de discos e torcer para que alguém comprasse nosso disco. De longe era uma coisa muito estranha, mas fazia parte da realidade e também fazia parte da aventura de ter uma banda. Cada um daqueles momentos era muito gostoso, era o que nos tirava de casa e nos levava a procurar algo novo. E, de novo, tudo isso em contexto social muito adverso.

Era isso que marcava o contraste e esse contraste nos marcava. Estávamos fazendo aquilo porque amávamos, não havia nenhuma possibilidade daquilo nos levar a algum lugar. Não pensávamos nisso como um trabalho, uma fonte de renda, algo que poderíamos monetizar. Isso estava fora de nossos pensamentos e das nossas ideias porque realmente nenhuma situação era favorável naquele momento. E nesses contextos nascem coisas muito poderosas, muito intensas, muito reais.

Tenho as melhores memórias daqueles anos. Obviamente, o país foi mudando, houveram melhoras. Não havia outra saída daquele poço senão para cima. Tivemos sorte de ter governantes que se preocuparam com o povo. Isso ajudou. Depois a economia ficou muito instável e agora nós voltamos em um lugar de crise. A coisa é cíclica. O momento atual é muito complexo. É ruim politicamente, socialmente e economicamente. E essas ideias sempre voltam, né?

Há uma nova leva de bandas em Buenos Aires, e na Argentina no geral, que trouxeram de volta esse espírito frente à crise dos últimos anos. De buscar a aventura, de viver essa experiência, de ter uma banda e o que será, será. Gosto de pensar que elas não são tão dependentes do algoritmo, da exposição das redes sociais, mas sim de suas canções, suas letras, suas poesias, sua arte. Gosto de pensar que, em um ciclo, o mal também traz coisas boas e estamos sempre em constante movimento, sempre em estado de alerta e buscando um lugar melhor.

MS: Qual é a sua relação e a sua opinião sobre as redes sociais?

SM: É uma situação rara porque nós vimos os benefícios das redes sociais, os benefícios da distribuição musical através das plataformas digitais. Todos nós sabemos desses benefícios e usufruímos deles.

Naquele ano em que fomos ao Brasil, que eu te contei, nós fomos porque as pessoas ouviam nossas músicas no MySpace. Então nós éramos gratos. Como não seríamos? Graças a isso nós pudemos ir ao Brasil. E hoje, 20 anos depois, podemos sair em turnê por vários países do mundo porque nossas músicas podem ser ouvidas no mundo inteiro. Esses benefícios são claros para mim. Do mesmo jeito que as redes sociais ajudam a tornar sua arte conhecida com uma ferramenta que tem muito mais alcance do que sair colando cartazes pela cidade. Isso é indiscutível.

Agora, mesmo que sejamos gratos pelos benefícios, sabemos que [as redes sociais] não estão nos dando oportunidades de maneira inocente. Eles querem algo em troca e o que querem é a nossa atenção. Somos os consumidores, mas também somos o produto. Às vezes parece que somos donos de nossa própria realidade e às vezes parece que não, que somos escravos disso. É uma situação muito complexa.

Parece que se desligarmos o celular estaremos livres disso, mas não é tão fácil. O que mais me perturba em tudo que envolve as redes sociais é quando o artista deixa de ter o domínio de sua obra… Na verdade, das ações em relação à sua obra, e começa a se tornar escravo do algoritmo. Isso é algo muito comum agora. É muito comum na história da indústria responder a certos padrões comerciais. Isso sempre existiu. Mas nunca deixou de existir e agora existem novas armadilhas.

No caso do algoritmo, existem certos padrões arbitrários que você precisa seguir para que seu conteúdo seja entregue e tenha alcance. Gosto de pensar que os artistas tenham uma obra global onde todas sua ações têm a ver com seus conceitos, suas ideias, sua política, suas canções, suas letras, sua música, e também como trabalhar no dia-a-dia ou ver o que me dizem e também como são geridas as redes sociais.

Mas não sei o quão sério isso é, não sei se estou exagerando. Depende de como me sinto. Tem dias que acordo mais otimista e tudo parece eu não, não, não me parece grave e há dias em que me parece que o erro é a dependência [das redes]. Acho que no mínimo devemos estar alertas e refletir sobre isso. Não nos acostumar tanto com as coisas.

MS: Você comentou que escreveu cerca de 20 músicas para o Súper Terror, mas só 10 foram usadas no álbum. Vocês tem planos para as músicas que sobraram? Nós vamos ouvi-las em breve?

SM: Sim, sim. Em certo momento nós tivemos um projeto muito ambicioso de gravar 20 músicas. Acho que tínhamos 18 ou 19, não me lembro bem. Era um projeto criado no estúdio que começamos a desenvolver, mas quando vimos que demoraria muito, decidimos fazer dois álbuns.

Dividimos essas canções em dois grupos que tinham uma essência e um conceito um pouco diferentes. Estamos muito animados com os dois projetos, que vão para lados diferentes. Decidimos parar ali, colocar todo o foco nas canções do Súper Terror, que naquele ponto estavam mais desenvolvidas também.

Mas as outras canções ainda precisam ser desenvolvidas porque há coisas que nos deixam muito empolgados. Precisamos terminar algumas coisas, têm letras que não estão finalizadas, mas esse disco vai ser uma exploração do outro álbum, só que por outro lado. E eu gosto disso, gosto que cada álbum seja bastante diferente. Quando terminarmos a turnê esse ano, retomaremos esse projeto e vamos terminá-lo para poder lançar.