Sentir de forma tão nítida o crescimento e expansão da potência e liberdade do querer e ser é certamente uma experiência que vai além do artista que a proporciona, se alongando aos colaboradores até chegar no público, contagiado pela força do trabalho.

Em tanto., um dos melhores discos brasileiros de 2020, o carioca Felipe Neiva entrega, via Cavaca Records, isso e além, se transformando diante dos ouvidos de todos em um artista coletivo, solar, e completo, mas certamente nem um pouco perto de saciado.

Confira abaixo a conversa do artista com o Mad Sound sobre os bastidores do projeto, as transformações pessoais e profissionais que o disco proporcionou, e os sonhos para o futuro.

Mad Sound: Gostaria de saber mais sobre a perspectiva cronológica da produção do disco, desde quando as faixas estão no forno, você teve algumas das ideias para as canções e então procurou os colaboradores, o processo foi coletivo desde o começo, como foi?

Felipe Neiva: Que legal essa pergunta! Foi uma construção coletiva desde o início. Em 2016, eu recebi o convite de 2 amigos interessados em produzir um álbum meu: o Marcos Thanus e o Marcelo Callado. Acabou que não rolou esse processo com eles (apenas na faixa “FORA!”), mas dali já estruturamos um formato de gravar com banda que deu o pontapé inicial no projeto, cujas gravações só se iniciaram em 2018. E assim se deu até o final do processo, as pessoas chegavam em mim por afinidade musical mesmo… até o ponto em que eu já tinha músicas suficientes para um álbum. Todas as músicas são frutos de coisas que eu vivi ali em 2016 e 2017, então elas foram surgindo ao mesmo tempo em que um conceito de álbum foi se dando.

MS: Falando nos colaboradores, como foi encontrar e constatar que as participações se encaixariam em tanto.?

FN: Todo mundo que está no álbum tem uma ligação afetiva comigo. É como se cada música do álbum fosse o resultado das trocas com aquelas pessoas. As músicas soam como soam por conta das escolhas estéticas e musicais desses colaboradores também. Eu estava muito influenciado pela ideia de improvisação do jazz no período das gravações, então é como uma dança onde todos presentes participam e se alguém está mais de fora cabe a alguém nessa dança se deslocar da sua zona de conforto para abraçar a visão daquela pessoa também. 

MS: A ecleticidade colorida dos gêneros do disco é algo singular. Desde o começo, a proposta do álbum queria abordar essa variedade, ou foi mais um processo orgânico durante a produção?

FN: As duas coisas aconteceram. Como ouvinte, eu sempre tive muita dificuldade em seguir até o final em álbuns que fossem muito uniformes ou mantivessem uma sonoridade muito parecida. E, ao mesmo tempo, eu gosto muito de tanta coisa diferente que seria estranho pra mim montar um projeto como esse sem levar em conta todos os meus gostos musicais.

MS: tanto. é, para mim, um retrato sonoro de um artista que sabe suas habilitantes, talentos, potências e, com isso, não tem medo de inovar e expandir. O que você considera que mudou em você, como artista e pessoa, durante e depois da produção do álbum?

FN: Acho que mudou mesmo essa falta de medo. Em outros projetos, por mais que eu sempre busque essa expansão, acho que ficava cada coisa em seu lugar. Ou seja, quando era uma música com mais texturas e ruídos, a ideia como um todo se encaminhava mais para isso. E quando era mais canção, eu seguia bastante as diretrizes já construídas por artistas que me influenciaram e que eu admirei. No “tanto.” eu realmente coloco tudo em todos lugares, tem mais amálgama. E isso passa pela pessoa que eu fui me tornando também. Até o fato de a capa do álbum ser uma foto minha é bastante auto-afirmativo… literalmente “botando a cara no sol.”

MS: Com um disco feito praticamente sob medida para ser apreciado ao vivo, quais são seus próximos passos e sonhos para 2021? 

FN: Um sonho não tão distante é o sonho da vacina contra o COVID-19, antes de tudo. E, com isso, que seja possível levar esse trabalho pra além da Região Sudeste… nunca toquei fora daqui e algumas pessoas de fora do Brasil já demonstraram admiração pelo álbum também. Então, espero me conectar com cada vez mais pessoas.