Texto por Julia de Camillo

Não vou mentir: até o final da minha adolescência, meu iPod carecia bastante de artistas mulheres. Eu gostava, em suma, de bandas cujo todos os integrantes eram homens e cantavam de forma escrachada sobre experiências que eram — fui me dar conta bem depois — extremamente masculinas. A nostalgia ainda preserva o lugar especial que boa parte dessas músicas tem no meu coração e, realmente, eu me identificava com muito do que era dito naquelas músicas. E ainda me identifico. 

No entanto, conforme fui cultivando consciência sobre as problemáticas da existência feminina em nosso mundo, senti falta de vozes que me cantassem algo novo. No meu fone de ouvido, parecia ser tudo sempre mais do mesmo. Simultaneamente, rolavam cada vez mais acusações de assédio e abuso sexual contra integrantes de bandas que eu escutava, o que fez com que eu não me sentisse segura e acolhida naquele meio. Eu precisava de músicas que me abraçassem, me entendessem e me refletissem como mulher, em todas as peculiaridades e sofrimentos que isso implica. 

Foi essa centelha que abriu meus horizontes musicais e que me trouxe até aqui: uma lista de melhores do ano todinha de mulheres. Juro que não foi intencional. Inclusive, gostaria de mencionar os vários meninos do Brockhampton, que quase entraram nesta lista. Mas foram estes trabalhos de mulheres que mais me sensibilizaram e impressionaram. 

#5: Angel OlsenAll Mirrors

Angel Olsen vem construindo uma narrativa fascinante e intrínseca à sua subjetividade e vivência pessoal ao longo dos quatro álbuns que lançou desde 2012, processo que culminou no impressionante All Mirrors. Neste projeto, a sonoridade de Angel está mais colossal do que nunca, graças à combinação de sintetizadores e arranjos de cordas. Os vocais viscerais da artista dão o toque final à ambientação magnética que permeia todo o trabalho.

Relações interpessoais e suas inevitáveis complexidades estão no cerne de All Mirrors. Angel oferece um olhar mais analítico que romântico, entendendo os porquês de um término, abraçando a solitude, refletindo sobre o que ela deve priorizar em sua vida. É um disco introspectivo que não tem medo de mergulhar na escuridão, mas está longe de ser pessimista. Angel Olsen descobre que, no fim do túnel, você não só encontra a luz, mas também a si mesmo.

#4: Lana Del ReyNorman Fucking Rockwell!

Fiquei tão aliviada quando escutei Norman Fucking Rockwell! pela primeira vez. É um trabalho inesperadamente refrescante, em que Lana preserva a estética e fixações culturais que nos apresentou ao longo de sua discografia, mas mostra que sabe crescer e aperfeiçoar suas habilidades dentro desse universo. É uma Lana Del Rey mais refinada, mas indiscutivelmente a artista que já conhecemos.

Desta vez, tudo soa mais devastador. Com melodias memoráveis e letras construídas de forma meticulosa, Norman Fucking Rockwell! hipnotiza desde o primeiro até o último momento. É um triunfo para uma artista que sempre foi alvo de críticas que mais soavam como implicâncias, mas decidiu se manter fiel ao que se propôs a fazer lá no início da carreira, mais de uma década atrás. Normal Fucking Rockwell! reflete perseverança, minuciosidade, talento e personalidade. Não tem como pedir mais.

#3: LizzoCuz I Love You

Falar de amor próprio, independência e positividade corporal pode ser arriscado. Não por serem temas polêmicos — acredito que já passamos desse momento enquanto sociedade —, mas pela grande chance de culminar em auto-ajuda barata, um discurso artificial de frases feitas e vazias. Não é o que acontece no terceiro disco de Lizzo, Cuz I Love You, lançado em abril.

É um álbum relativamente curto, com cerca de meia hora de duração, e o recurso mais valioso dele é a personalidade cativante e espontaneidade de Lizzo. Ao longo das 11 faixas, a artista mistura elementos do pop, rap e r&b com uma despretensão invejável. Apesar de ecoar a tendência atual pelo hibridismo entre gêneros, Cuz I Love You muitas vezes soa intencionalmente retrô e nostálgico, mas o olhar e as perspectivas de Lizzo se mantém como reflexo de um futuro que está vindo, de pouco a pouco.

#2: Billie Eilish – When We All Fall Asleep, Where Do We Go?

Confesso que quando ouvi Don’t Smile At Me, o EP que Billie Eilish lançou em 2017, não fiquei muito impressionada. A sonoridade não chamou minha atenção e as letras pareciam básicas. Acho que, até hoje, não consigo me lembrar de nenhuma música desse EP com clareza, apesar de ter sido “Ocean Eyes” a responsável por deslanchar a carreira de Billie.

Talvez por essa experiência, de certa forma, decepcionante, demorei para ouvir seu primeiro álbum cheio. Eventualmente, convenci-me a dar ouvidos. A primeira vez que escutei When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, fiquei completamente atônica. Percebi na hora que ela havia encontrado um caminho para percorrer como artista. É um disco inteligentíssimo, reflexo de uma adolescente que sabe analisar e processar o mundo ao seu redor. A produção é ambiciosa, brutal e espirituosa. Billie transita com naturalidade entre assuntos densos: suicídio, depressão, vício, rejeição e terrores noturnos são algumas das temáticas que fluem através de sua voz suave.

Quando uma pessoa jovem aparece com algo a dizer e uma nova forma de dizê-lo, quase nada pode frear o que vem a seguir. 2019 foi o ano em que Billie Eilish se tornou um fenômeno mundial e provou ser a artista fundamental da geração Z. When We All Fall Asleep, Where Do We Go? é a representação das ansiedades, medos, aspirações e vulnerabilidades de uma juventude disruptiva e bagunçada.

#1: FKA TwigsMagdalene

Corações partidos sempre foram grandes motivadores da boa arte. Mas não é qualquer um que consegue transformar sofrimento em qualquer coisa além de… sofrimento. É um exercício que requer grande inteligência emocional, resiliência e vulnerabilidade. Em Magdalene, FKA Twigs se mostra capaz de tudo isso e muito mais. É difícil não se sensibilizar com o aspecto pessoal e confessional deste projeto: a artista constrói um universo envolvente, dando-nos vislumbres de um momento assolador na sua vida pessoal. 

Sonicamente, FKA Twigs não se restringe nem economiza, utilizando de elementos surpreendentes na produção para tornar palpável sentimentos que complementam o conteúdo das letras cantadas por ela. Talvez por isso, a sonoridade do álbum não seja tão uniforme quanto se possa esperar, o que não o torna menos coeso, visto que existe uma trajetória bem definida entre cada momento dentro dos quase 40 minutos de duração.

Ao longo do disco, ela caminha entre romantismo e melancolia. Apesar de este ser um trabalho visivelmente metódico, FKA não tenta esconder o tumulto dentro de seu coração. E como a mesma diz em “Home With You”, ela ainda mantém sua graça. A impressão que fica é que FKA Twigs é uma daquelas raras artistas que parecem forças da natureza. Magdalene só é grandioso porque quem o confeccionou é mais grandiosa ainda. É um disco que acaba, mas, de certa forma, continua dentro de você por um bom tempo.

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