Era um pouco difícil imaginar que Demi Lovato entregaria um show de rock na noite de terça-feira, 30, em São Paulo, mesmo depois de ouvir seu novo álbum, Holy Fvck. Apesar da forte presença das guitarras e da produção mais pesada, muito do novo disco ainda carrega características e estruturas do pop, que são mais perceptíveis em singles como “Substance” e “Skin Of My Teeth”.

No ao vivo, porém, Demi conta com uma incrível banda formada apenas de mulheres, que inclui uma das mais notórias guitarristas do mundo do metal: Nita Strauss. É verdade que no palco de Demi, Nita não recebe tanto espaço para aparecer quanto em seus dias de Alice Cooper, mas ela não é considerada a 4ª melhor guitarrista da década à toa. Seu trabalho no palco faz toda a diferença e é um dos que mais ajuda a criar o reconhecimento de um quê de heavy metal ainda dentro da música pop.

À primeira vista, a escolha de músicas para a setlist pode parecer um pouco duvidosa, mas no palco os arranjos funcionaram bem na maior parte do tempo. Depois de um show de abertura excelente da banda Tuyo, Demi Lovato fez sua entrada com a faixa-título “Holy Fvck”, tocando guitarra e vestida de vermelho, usando um corpete de vinil e calças com spikes e correntes. Durante a maior parte do show ela mostrou que sabe bater cabeça e está preparada para assumir o palco com uma postura mais desafiadora.

Faixas novas como “Freak” e “Eat Me” se provaram ótimas escolhas para o início da setlist, trazendo bastante peso e energia, carregando o ambiente com a expectativa e a tensão próprias do hard rock. Enquanto a influência do pop ainda se faz muito notável, Lovato é capaz de entregar vocais fortes e altos, sem desafinar ou perder a pose de rockstar, e sua voz potente acrescenta no ao vivo a essência necessária para que suas músicas soem de fato como rock.

A seleção de sucessos mais antigos da carreira deixou um pouco a desejar, mas a nova roupagem de alguns fez sentido dentro do conjunto. Faixas mais antigas como “La La Land” e “Remember December” já tinham a característica do pop rock em si e não foram alteradas, mas sucessos pop como “Confident” e “Heart Attack” foram despidas da produção pop e receberam guitarras. O single de 2011, “Skyscraper”, pareceu meio deslocado na setlist, mas provou que ainda é capaz de emocionar. A faixa se tornou uma espécie de hino de superação para Demi e sua fã-base, e ainda é capaz de criar um momento bonito no ao vivo mais de uma década depois de seu lançamento.

Dez anos depois, porém, os hinos de superação deram lugar a uma vulnerabilidade mais honesta e por vezes até dolorosa. Um dos grandes destaques do show é a nova música “Happy Ending”, presente no álbum mais recente. Nela, Demi fala abertamente sobre seus problemas com o vício em drogas e faz referência a momentos delicados de sua vida, como a pressão de ser apresentada publicamente como um modelo para os fãs mais jovens, mesmo tendo que lidar com questões muito complexas. Hoje, aos 30 anos, ela admite na letra da canção: “Estou sóbria no momento e todos estão orgulhosos, mas sinto falta dos meus vícios”.

Incluir uma faixa tão pessoal na setlist é um passo muito importante para Demi Lovato. Para aqueles que estão prestando atenção, a composição é devastadora e serve como um catalisador para humanizar a artista que está no palco para além do papel de diva. Ver a cantora com suas roupas coladas, vocais sobrenaturais e postura confiante torna fácil esquecer por um momento da pessoa por trás do ícone. Mas para aqueles que olharem direito, é possível perceber um tipo muito peculiar de afastamento no olhar de Demi durante quase todo o seu show.

Ela sorri para a plateia, pausa o show para ajudar os fãs que estão passando mal e responde aos gritos de “gostosa” com bom humor, mas há momentos em que, apesar de se mostrar completamente presente e consciente de seu lugar no palco, seus olhos se mostram distantes e introspectivos, como se ela se encontrasse em um lugar muito mais profundo, que ninguém na plateia consegue acessar. Por fora, porém, Demi é excelência.

O show se encerra com uma versão mais pesada de “Cool For The Summer”, finalizada com um curto solo de guitarra de “Sad But True”, do Metallica, tocado por Nita Strauss. Demi se retira do palco antes de suas guitarristas, que se despedem da plateia com muita energia, encerrando a noite como seria em um verdadeiro show de rock. 

A nova roupagem é o suficiente para dar aos fãs de pop um gostinho da música pesada, mas não é transgressora o bastante para tirá-los completamente de sua zona de conforto. Apesar de relatos de reclamações de fãs que pareceram não gostar tanto assim do novo estilo, Demi se mantém bastante fiel aos seus anos no pop, principalmente porque seu aceno para o rock sempre esteve presente em vários pontos de sua discografia. De muitas maneiras, é a mesma Demi Lovato de sempre, mas com muito mais voracidade e um visível prazer maior em performar suas músicas ao vivo.

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