*Alerta de gatilho: suicídio
Na última sexta-feira, 02, o cantor YUNGBLUD lançou seu aguardado terceiro álbum de estúdio, Yungblud. O disco é autointitulado devido a seu caráter profundamente autobiográfico, buscando retratar o mais íntimo de Dominic Harrison, tanto em suas composições quanto no próprio som que o artista escolheu adotar.
No álbum, que pode ser considerado o mais maduro de sua carreira, Yungblud deixa de lado um pouco de suas fortes influências no punk, antes povoadas de vocais gritados e instrumentos altos e frenéticos, e escolhe abraçar o dance-punk de Billy Idol, citando como referências também nomes como Green Day e Ramones. O caráter otimista de sua música contrasta diretamente com o teor confessional e melancólico de suas letras, criando em 12 faixas um disco completo no maior estilo “rindo através das lágrimas”.
A escolha de sonoridade, segundo Dom, foi feita para demonstrar como ele mesmo é por fora: alguém que se expressa de forma eufórica e enérgica. Enquanto isso, suas composições refletem tudo aquilo que se passa do lado de dentro, retratando uma pessoa que tem problemas com ansiedade, depressão, auto aceitação e insegurança. Juntas, essas características opostas e ao mesmo tempo complementares dão vida ao álbum Yungblud e todas as suas nuances.
Dominic nos recebe logo na porta de entrada com a vulnerável e catártica “The Funeral”, onde ele lista todas as suas principais inseguranças em uma tentativa de encará-las de frente e aceitá-las. “Se você está confortável com tudo aquilo que não gosta sobre si mesmo e diz isso primeiro, ninguém mais pode dizer nada. Você assume o poder de volta,” comenta sobre a letra em entrevista à NPR. Assim como na maior parte do disco, a canção é dançante e animada – carregando semelhanças com o sucesso oitentista “Dancing With Myself” – mas contém letras pesadas que contemplam a morte do eu-lírico e um funeral ao qual ninguém compareceu.
Assim como em seus álbuns anteriores, Yungblud cumpre em seu novo projeto o papel de jovem contestador e inconformado com as injustiças da sociedade ao seu redor. Dessa vez, porém, apesar de denunciar marcas da masculinidade tóxica e repressão em faixas como a delicada “I Cry 2” e a pungente “The Boy In The Black Dress”, Dominic se volta mais para dentro e para as questões dolorosas que parecem sangrar sem sutura. No caso desta última, ele relata as agressões físicas e psicológicas que sofreu no ambiente escolar e nas ruas por se expressar de forma que desafia as normas de gênero – usando esmalte e vestidos, por exemplo.
Em “Mad” ele aborda como sofreu com a auto repressão e um sentimento de auto aniquilação de sua própria identidade na tentativa de se encaixar nas expectativas das pessoas ao redor. Em “Sweet Heroine”, o cantor abre seus sentimentos e desabafa sobre a necessidade de precisar de alguém ao seu lado nos momentos difíceis, ao mesmo tempo que fala sobre querer alguém que lhe trouxesse a sensação inebriante do uso de heroína. Já a contemplativa “Die For A Night” é feita apenas de voz e violão e soa como um curto devaneio de 1 minuto e meio, enquanto Yungblud confessa: “Sempre me pergunto como seria se eu pudesse morrer por uma noite / Alguém se importaria? / Será que todos gostariam? / Se eu pudesse morrer por uma noite.”
Todo o disco serve como um grande diário para a mente de quem é a pessoa por trás do artista – e, no caso de Yungblud, as duas coisas não se separam. Sua arte é, segundo ele, aquilo que o mantém vivo, e suas experiências pessoais são o que constroem sua música e permitem que ele se conecte com uma comunidade de pessoas que busca conforto em saber que não estão sozinhas em suas angústias. Ele fala abertamente em entrevistas e canções sobre crises depressivas e tentativas de suicídio, mas reforça que criou o álbum Yungblud desejando que ele fosse e soasse como “uma luz no fim do túnel”.
Ele defende o direito de falar abertamente sobre seus “pensamentos sombrios” como uma forma de colocá-los para fora ao invés de internalizá-los, o que acaba permitindo que ele se sinta melhor. “Muitas pessoas têm pensamentos sombrios e o mundo diz a elas para enterrá-los e não falar sobre eles porque pode fazer você parecer meio estranho, mas essa é a coisa mais perigosa do mundo. Eu falei sobre eles. Coloquei na minha música e isso os suprimiu. Isso permite que eu abra mão [desses pensamentos] porque eu os coloquei para fora,” comenta Yungblud em entrevista.
Sua tentativa de tentar oferecer uma perspectiva mais otimista e um fio de esperança é bem sucedida. Suas composições sem filtro e dolorosamente honestas perdem um pouco do caráter pessimista quando contrastadas com as batidas alegres da música, o que traz para as faixas um poder quase capaz de exorcizar pensamentos ruins e sentimentos sufocantes. É como se admitir que nada está bem enquanto dança trouxesse automaticamente uma sensação de que, eventualmente, tudo vai estar. E, se não estiver, tudo bem, também. Porque no fim do dia o que importa é ter uma comunidade acolhedora e saber que, em algum lugar, existe alguém lutando as mesmas batalhas que você.
Destaques do álbum
“Memories (feat. WILLOW)”
“Memories” é a primeira parceria que YUNGBLUD decide incluir em um de seus álbuns e o motivo não poderia ser mais óbvio: a participação de WILLOW na faixa é absolutamente visceral. Essa é a faixa mais explosiva do álbum, com uma pegada mais focada no rock alternativo e nas inclinações de Yungblud para o punk. Tanto a letra quantos os vocais de ambos – roucos, agressivos, carregados de emoção e frustração – são como um soco no estômago, falando de memórias dolorosas que se fazem impossíveis de esquecer e se tornam uma ferida aberta com o tempo. A voz de WILLOW especialmente rasga a faixa como uma verdadeira força da natureza e se torna ainda mais potente combinada com os vocais intensos de Yungblud, configurando esta como uma das melhores parcerias já feitas por ambos os artistas.
“Sex Not Violence”
Mostrando uma inclinação mais sombria para o post-punk, Yungblud mistura sintetizadores com uma batida acelerada, solos de guitarra e violão acústico na viciante “Sex Not Violence”. O cantor, que se identifica como pansexual, costuma falar abertamente sobre sexualidade em suas músicas adotando por vezes um tom conscientizador, como é o caso dessa faixa. Apesar de não ter um refrão tão forte, a voz de Yungblud constrói melodias que apelam para um toque de melancolia, especialmente no pré-refrão. Toda a faixa acaba recebendo uma atmosfera quase triste e contemplativa enquanto o cantor reflete sobre o tema e conclui que “é tudo sobre sexo, não violência”.