A era da internet tem revolucionado não só o jeito de promover música, mas também o surgimento de novos artistas independentes que possuem mais autonomia em suas próprias criações. Com o boom das redes sociais, nasce uma nova geração de nomes cada vez mais autossuficiente e desatrelada das grandes gravadoras e do molde tradicional da indústria musical, como é o exemplo do fenômeno global que se tornou Billie Eilish e a construção da carreira de Matheus Who na cena nacional.

Entre a variedade de artistas que emergiram das tendências encontradas no SoundCloud – incluindo a própria Eilish e seu irmão FINNEAS – surge o canadense Wayfie, um dos nomes mais promissores do chamado bedroom pop. Multi instrumentalista e autodidata, Wayfie começou a arriscar suas próprias produções aos 14 anos e aos 16 já transformava suas poesias em canções de ukulele. Seu canal do YouTube mostra apenas dois videoclipes e sua música mais recente, mas basta uma visita ao Spotify para conhecer o trabalho que o artista vem desenvolvendo desde 2018.

Suas primeiras produções unem violão e piano a harmonias vocais e programações eletrônicas que criam uma atmosfera ao mesmo tempo melancólica e etérea. Faixas como “Stay Here Please” e “Shame On Me” mesclam o lo-fi a uma variedade de camadas sonoras que transportam o ouvinte para dentro da música, enquanto a assombrosa “Radio Silence” acentua a voz melodiosa de Wayfie e já trazia um pouco do minimalismo explorado por alguns artistas de R&B atuais, como ZAYN em seu álbum mais recente, Nobody Is Listening.

Em entrevista ao Mad Sound, Wayfie cita uma variedade de referências artísticas que resulta em uma mistura de estilos musicais muito característica de sua geração – a do final dos anos 90. Enquanto suas composições encontraram inspiração no folk de Bon Iver e Sufjan Stevens, sua produção recebeu influências do pop e hip-hop dos anos 2000, com Justin Timberlake, Timbaland e Kanye West. Ao mesmo tempo, ele relata que “ouvia música pop enquanto também ouvia artistas indie”, e menciona o impacto de nomes como Pine Grove, Band of Horses, Phoenix e Arcade Fire.

“As músicas são grudentas e populares, mas a voz deles não soa tradicionalmente bonita e eu sempre me senti meio inseguro com meus vocais, então senti que era um jeito fácil de trabalhar uma escrita contagiante e também poder contar com um estilo que não exige que eu seja super treinado de modo clássico, como Adele ou Whitney Houston. Sempre me senti mais atraído por artistas que têm algo único na voz e não se preocupam se estão soando bem ou mal,” conta.

Toda a versatilidade de seu gosto musical é traduzida no trabalho de Wayfie e em como ele vem se apresentando e apresentando sua arte ao mundo. Seu primeiro videoclipe, o da música “Fairytale” mostra um lado mais introspectivo e ligado ao medo e à insegurança, enquanto a contagiante “I Just Wanna See My Friends” fez sucesso nas redes sociais e ganhou um vídeo repleto de diversão e amizade para ilustrar a importância do contato humano em tempos de isolamento social. 

Como alguém que se considera ambivertido – no caminho do meio entre introvertido e extrovertido – escolher dois primeiros singles que ilustrassem essas duas partes de si mesmo se mostrou algo essencial logo no começo. “Em toda a minha música, eu só estou tentando mostrar todos os meus lados porque existem tantas versões de mim mesmo e, no fim do dia, eu só quero que as pessoas saibam disso. Eu sou todas essas versões. Eu sou meio chiclete, sou meio indie triste, sou meio hip-hop… Sou tudo isso e quero que as pessoas saibam através da minha música,” afirma.

Como grande parte das pessoas de sua geração, Wayfie cresceu na igreja por conta dos pais, ambos ministros ordenados, e, assim como uma variedade de outros artistas, esse foi seu primeiro contato com a música. Hoje ele admite que sabe tocar “todos os instrumentos” e sua base veio dos acampamentos musicais dessa época, onde aprendeu violão, bateria e piano. Afastando-se da restrição da esfera religiosa, Wayfie descobriu novas perspectivas durante suas experiências de vida e hoje sente que a espiritualidade atua em sua arte através de uma força criativa, mas não se considera atrelado a alguma religião.

Seu afastamento de um molde societal em que “a vida parece muito curta e pequena” permitiu que sua mente se expandisse e isso com certeza é refletido na versatilidade de suas músicas e em sua vontade de estar sempre experimentando novos gêneros e mesclando diversos estilos musicais em suas produções. Seu lançamento mais recente é a refrescante “Call You Mine”, uma envolvente canção de amor que se aproxima mais do chamado pop chiclete, apesar de manter as referências hip-hop e retrô em uma pegada bastante próxima de Troye Sivan.

A sinceridade de suas canções e o aspecto profundamente pessoal que cada uma delas tem para Wayfie pode se tornar um grande combustível para o nervosismo e a ansiedade quando chega a hora de compartilhá-las com o mundo. No fim das contas, o mais importante para ele é ser ouvido e compreendido. “Gosto de escrever músicas que se classificam como pop porque o pop é um espaço onde cada palavra contém muito poder porque tudo é simplificado,” conta. “Cada palavra escolhida e cada mensagem que você incorpora em uma música popular, em termos de estilo de composição, tem que significar algo por si só e existem tão poucas coisas que você tem a oportunidade de dizer, então poder dizer o que eu realmente sinto de modo que seja compreensível e que possa ser facilmente comunicável a qualquer um é assustador porque acho que meus sentimentos são muito complexos.”

“Os sentimentos de todo mundo são muito mais complexos do que conseguimos comunicar, no fim das contas, então às vezes eu tenho medo de que minha mensagem ou meus sentimentos sejam diluídos e as pessoas apenas me vejam superficialmente como alguém que está dizendo o mesmo que já foi dito, mas eu realmente me orgulho da minha criatividade na minha escrita, então espero que seja algo que fique evidente na minha próxima música e em todas as minhas músicas,” conclui.

Com apenas 23 anos, Wayfie se mostra uma aposta promissora da cena do bedroom pop por conta da imensa autonomia e autenticidade que aplica em suas músicas. Sua ousadia em misturar suas referências e não ter medo de mostrar todos os lados de si ou se limitar a um gênero musical é algo muito apreciado pela nova geração de fãs de música, que não se contenta em ouvir sempre o mesmo som vindo de determinado artista. A era da internet pede inovação constante e exige a habilidade de reinvenção recorrente – uma demanda que só pode ser atendida por quem cresceu nesse espaço.

“Quero que as pessoas esperem o inesperado [de mim],” afirma Wayfie. “Quero que elas fiquem confortáveis com o fato de nunca saberem o que eu vou fazer, quero que elas fiquem animadas com a próxima coisa que eu posso fazer, mas no fim do dia isso é algo que só eu posso sentir e eu não tenho necessariamente muitas esperanças sobre como as pessoas vão me perceber. Eu quero que elas gostem de mim, acho que todos queremos que as pessoas gostem de nós, mas no fim do dia preciso me lembrar de não botar minhas esperanças nisso porque eu não posso contar com isso. Se eu colocar minhas esperanças em algo que não é confiável, eu só estou me preparando para me decepcionar. Espero que as pessoas se sintam validadas. Quero que elas ouçam o que eu estou dizendo através das minhas experiências pessoais e da minha visão pessoal, e espero que quem quer que ouça precise ouvir isso e se sinta validado porque seja lá o que eu disse os fez sentir melhor porque eles se sentem do mesmo jeito.” 

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