2022 trouxe dois grandes marcos para a carreira de Avril Lavigne. O ano celebra o 20º aniversário de seu disco de estreia, Let Go, e também trouxe o tão aguardado comeback com o álbum Love Sux. O disco é o primeiro da cantora desde o Head Above Water (2019) e marca oficialmente o abandono do pop e a volta das guitarras, como a internet já aguardava ansiosamente desde o lançamento de “Flames” com MOD SUN.
O resgate do pop punk, entretanto, não significa um retorno literal às origens, como é fácil de se imaginar. A onda nostálgica que popularizou novamente o gênero trouxe uma essência diferente daquela que deu origem aos jovens emo dos anos 2000 – entre eles, a própria Avril Lavigne. Liderada inegavelmente por Travis Barker, baterista do blink-182, a nova onda do pop punk é caracterizada por muito menos peso, seja em suas letras ou em sua sonoridade, e apresenta um foco maior em incentivar o consumo viral da internet e divertir o público jovem, mesmo que alguns de seus maiores nomes já estejam na casa dos 30 anos.
A chegada da chamada Geração TikTok influenciou também no jeito de fazer música. O consumo de vídeos cada vez mais rápidos, preferencialmente com duração entre 15 segundos e 1 minuto, tem refletido pesadamente nos discos que ocupam as paradas mainstream dos últimos dois anos. Em apenas meia hora, Love Sux apresenta 12 músicas de fácil digestão e memorização, com a maior parte das canções se encerrando antes do marcador atingir os 3 minutos. A tendência foi seguida por outros nomes do gênero, como Machine Gun Kelly e WILLOW com Tickets To My Downfall (2020) e lately I feel EVERYTHING (2021), e, na cena nacional, Sebastianismos e DAY com Tóxico (2021) e Bem-Vindo Ao Clube (2021).
Se a nostalgia tem se provado uma mão de cartas vencedora que ressuscitou bandas como McFly e Jonas Brothers, ela não se sustentaria sozinha se não trouxesse consigo a modernidade. Tirar o pó das guitarras se provou uma necessidade para Avril Lavigne, mas a própria identidade do pop punk atual já se parece em muito pouco com aquela de 20 anos atrás.
A chegada do Let Go em 2002 é considerada um grande marco para a entrada do pop punk no mainstream. Na época, o gênero assumia características mais urbanas, com estética que mesclava o grunge e o hip-hop, surgindo em meio ao sucesso do nu metal do Linkin Park e o hard rock do Nickelback. Entre o peso e a maturidade desses dois exemplos, artistas como Avril Lavigne encontraram o caminho do meio; apesar das composições terem um profundo teor melancólico, as temáticas eram mais próximas do público adolescente, falando sobre desilusões amorosas e a sensação de não-pertencimento e não-conformidade – temas que a própria Lavigne conhecia bem porque também era adolescente.
Se o gênero na época bebeu das tendências musicais dos anos 1990, nada mais justo que a nova faceta trazer consigo uma identidade que condiz com a nova década. A chegada da pandemia em 2020 acelerou não só o modo como consumimos conteúdo, mas também forçou alguns artistas a produzi-lo de forma mais rápida e prática, uma vez que grande parte deles estava trabalhando em suas músicas sozinhos. O resultado foi o aumento exponencial de canções com letras rasas e de fácil apreensão, além do gosto por um novo hip-hop diluído, vazio de críticas sociais e com sonoridade mais limpa, apostando em beats eletrônicos e pouco instrumental orgânico. Enquanto os adolescentes dos anos 2000 buscavam encontrar uma comunidade a qual pertencessem, os dos anos 2020 buscam por essa mesma aceitação, só que na internet. Daí a necessidade de músicas cada vez mais curtas que se encaixem no limite de tempo perfeito para serem adicionadas a um story, reels ou para virar uma tendência no TikTok.
Em Love Sux, Avril Lavigne apostou no peso de nomes que têm feito sucesso na cena, fazendo parcerias com Machine Gun Kelly em “Bois Lie” e o rapper blackbear em “Love It When You Hate Me”. A grafia propositalmente incorreta de palavras como “sux” (originalmente, “sucks”) e “bois” (“boys) faz referência não só a um costume dos jovens, mas também à linguagem simplificada da internet, geralmente marcada por muitas abreviações e siglas que resumem expressões, como “F.U.” (abreviação de “fuck you”).
As novas composições de Lavigne também seguem a tendência dessa simplificação dentro do gênero. As letras que um dia tiveram verso, refrão e ponte bem-definidos e estruturados, hoje são usadas menos para contar uma história e mais visando uma preocupação amadora com rimas que não dizem muito, como é possível notar no verso de abertura da faixa com blackbear: “I’m a lush / And I’m drunk again off another crush / Don’t rush / Just take your time, don’t feel too much”. As próprias desilusões amorosas também são abordadas de modo diferente, com maior foco no empoderamento da vida de solteira e falando sobre um tipo de vingança juvenil que soa um tanto desconexo vindo de uma artista de 37 anos.
A cantora, entretanto, guardou o mais interessante para o final. O lado B do disco esconde algumas surpresas bastante bem-vindas e que mostram mais o lado punk de todo esse pop mastigado e industrializado. A faixa com Mark Hoppus, “All I Wanted”, traz um sopro energizante digno dos maiores sucessos de blink-182, e a explosiva “Break Of A Heartache” encerra o álbum em 1 minuto e 51 segundos de pura adrenalina e personalidade que faltaram em peso dentro dos singles comercializados presentes no Lado A.
Com Love Sux, Avril Lavigne prova que, apesar de ainda guardar em si as características necessárias para ser uma voz da rebeldia, às vezes é necessário dar ao público exatamente o que ele quer. O novo álbum entrou para o Top 10 da Billboard 200, um feito que não foi alcançado com seu antecessor, Head Above Water, mas ainda assim sustenta a pior posição da cantora em relação ao restante de sua discografia.
No fim das contas, apesar da esperança depositada nos ombros de nossos antigos heróis, são as novas vozes que provavelmente irão trazer para o mainstream mais representatividade do público inconformista e rebelde. O resgate desses antigos nomes do pop-punk nem sempre pode entregar o resultado esperado pelas gerações que cresceram com eles – não quando insistem em fazer música para uma juventude da qual não fazem parte.
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