Texto: Gabriela Marqueti
Apuração e fontes: Gabriela Marqueti e Larissa Catherine Oliveira

No dia 12 de novembro aconteceu em São Paulo a primeira edição da GP Week; um projeto apresentado pelo C6 Bank que visa celebrar a conexão da música com o esporte – mais especificamente com a Fórmula 1. O festival que uniu The Killers, Twenty One Pilots, Hot Chip, The Band Camino e Fresno aconteceu no mesmo fim de semana que o Grande Prêmio de Fórmula 1 de São Paulo e lotou o Allianz Parque.

Ainda não está claro se a GP Week pretende se tornar um evento que se repete anualmente. Como um festival novo, é comum que a primeira edição atue como um teste, tanto de público quanto de organização, para decidir o futuro de um projeto desse tamanho. Caso a ação se repita, foi possível observar nessa primeira edição que uma série de pontos necessitam melhoria, enquanto outros acertos devem ser mantidos.

Boa line-up atraiu público grande

O acerto mais notável definitivamente foi a line-up. A organização montou um dia dedicado majoritariamente à música alternativa, chamando nomes populares como grandes headliners e boas atrações que cativaram o coração do público. Iniciar o dia com a Fresno, que é um dos maiores nomes do rock alternativo nacional, possibilitou que uma parte do público chegasse mais cedo e ficasse para curtir o festival inteiro.

Entre as atrações menos conhecidas, a The Band Camino foi de longe a mais popular. A banda americana – que fez um feat. com o guitarrista brasileiro Mateus Asato no palco – cativou o coração de novos fãs com muito carisma e canções animadas e bem executadas ao vivo. Já o Hot Chip fez o esquenta final da noite com suas canções de indie eletrônico antes que o Twenty One Pilots roubasse a cena do grande headliner The Killers.

A boa curadoria de bandas permitiu uma ótima sintonia entre as atrações do dia – quem chegou para assistir um nome específico com certeza teve a chance de sair com novos favoritos. O exemplo mais óbvio talvez seja o Twenty One Pilots. Fãs do headliner The Killers que não conheciam o duo se mostraram encantados com a performance e voltaram para casa com um novo nome para conhecer melhor. 

Como a GP Week não parece ser feita visando um estilo musical específico, o grande acerto serve como um incentivo para que a curadoria do festival continue investindo em atrações que conversam sonoramente, independente dos gêneros musicais que eles busquem enfatizar em edições futuras (se estas vierem a acontecer).

Divisão da pista e distribuição de comida e bebida

Mesmo com uma divisão de pistas incomum, a GP Week vendeu todos os ingressos disponíveis. Além da configuração padrão de Cadeira Superior e Cadeira Inferior, o espaço da pista foi dividido não em dois, mas sim em três setores: Pista Comum, Pista VIP Box e Paddock C6 Bank Mastercard. Quanto mais perto do palco, mais caro o ingresso. Os preços variavam entre R$270 e R$1.990, com a meia-entrada da Paddock custando R$995.

Quem estava na Pista Comum sofreu com a organização de setores e não teve uma boa experiência. A analista de conteúdo Vanessa Cruz relatou ao Mad Sound problemas que iam desde baixa visibilidade e acústica ruim durante o show do Hot Chip, até a pouca distribuição de água e bebidas. Quem estava no setor ainda precisou se dividir entre as extremidades por conta de uma das estruturas do evento, que se localizava bem no meio da pista e prejudicava a visão do palco.

“No canto dava para ver melhor, mas não enxerguei quase nada durante o show do Twenty One Pilots, mesmo tentando ver pelo telão. Consegui chegar mais perto da grade no show do The Killers e tive uma visão um pouco melhor. Além disso, não vi muitas pessoas vendendo água. Cheguei por volta das 17h e só encontrei água na pista uma vez, durante o intervalo entre os dois últimos shows,” relata Vanessa.

A distribuição de alimentos e bebidas não foi um problema encontrado apenas pelas pessoas na pista. Por volta do fim da tarde, surgiram relatos de que os caixas fixos informavam que comidas e bebidas tinham acabado momentaneamente; houve reposição logo em seguida. A organização do evento também optou por não fazer uso das pulseiras cashless em um primeiro momento, trabalhando com movimentação de caixa orgânica. À tarde, o fluxo dos caixas funcionou bem e se manteve praticamente vazio. À noite, porém, especialmente no intervalo entre as duas principais atrações, longas filas se formaram ao redor do Allianz Parque, dificultando a mobilidade pela área interna.

Acessibilidade e áreas para PcD

Nossa equipe foi convidada a conhecer de perto o trabalho da equipe de acessibilidade atuando na GP Week. Fomos informados que parte da estrutura destinada a PcD já é de configuração fixa do Allianz Parque, enquanto outras medidas são tomadas pela equipe contratada para o evento. 

Dentre as configurações que vimos de perto estavam catracas para PcD nas entradas, distribuição de pulseiras, balcões instalados na altura recomendada pela NBR 9050 e ambulâncias específicas. Também fomos apresentados ao plano de emergência para proteção e evacuação de PcDs em casos de situações extremas, como um possível esmagamento da multidão. Uma equipe de segurança e de bombeiros também é colocada a postos para atender às necessidades das pessoas com deficiência e representantes de ambas as equipes são postados sempre próximos às áreas para PcD.

Falamos com a supervisora do corpo de bombeiros, que nos explicou a atuação da área no auxílio a pessoas com deficiência. “Geralmente, nós deixamos os bombeiros disponíveis nos portões de entrada. Quando [a PcD] passa na catraca, o pessoal do acesso ou a segurança nos informa, nós vamos até lá e a acompanhamos até o local,” explica. Ela também nos conta que todos os portões devem estar preparados para receber PcDs devido a uma regra mais recente. 

As áreas para PcD estavam espalhadas ao longo do Allianz Parque de acordo com o setor comprado em cada ingresso da GP Week – Paddock, Pista ou Cadeira Inferior. Na área para PcD do setor Paddock – bem em frente ao palco – foi instalada uma estrutura específica para que pessoas surdas ou com deficiência auditiva conseguissem ouvir o show e sentir as vibrações da música. 

Conversamos com algumas pessoas sobre sua experiência enquanto PcD na GP Week e ouvimos elogios e também sugestões de melhoria. Ana Toledo, que estava no setor Pista VIP Box, relata uma experiência positiva, especialmente com o atendimento. Ana conta que a GP Week foi seu primeiro festival; ela diz sempre ter tido o sonho de ir a festivais como Rock In Rio e Lollapalooza, mas tinha receio por não saber como seria a logística da experiência (como ela se movimentaria ao longo do dia, se conseguiria ir ao banheiro, etc).

“Toda a equipe que me atendeu foi super atenciosa comigo. Todo mundo foi muito legal – os bombeiros, as pessoas do staff. Não tenho o que falar do atendimento. O rapaz que estava organizando a área de PcD também foi muito legal. Esse evento, excepcionalmente, não tinha muitas PcDs naquela área, mas foi muito legal, deu pra assistir o show numa boa, foi bacana,” conta. 

Como ponto de melhoria da organização geral do evento, Ana apontou que a distribuição de copos plásticos descartáveis causou um grande acúmulo de lixo no chão ao final do festival, o que ocasionou um acidente que poderia ter sido grave. “Eu ando com bengala e eu caí no festival. Tentei desviar o máximo possível, mas escorreguei nos copos. Quase causou um acidente, quase quebrei meu braço,” relata. Ela sugere preços mais acessíveis do copo oficial do festival como ponto de melhoria.

Lily, que tem uma doença crônica e perdeu a visão do lado esquerdo devido a um quadro de vasculite, nos contou sobre sua experiência na área de PcD da Paddock. “Minha experiência aqui na área foi muito boa. Consegui ficar na grade, tem água e não passei mal. Além da perda de visão, minha doença crônica é no rim, então meus pés incham e eu não consigo ficar muito tempo em pé. Aqui tinha cadeira, o que é a melhor coisa do mundo para mim. Isso me salva toda vez. Não tenho o que reclamar dessa área. Foi maravilhoso, não estava lotado e não é uma área muito pequena também,” relata.

Os relatos negativos que recebemos referem-se a aparente desinformação de uma parte dos funcionários da GP Week sobre as áreas para PcD e a falta de uma sinalização mais clara sobre onde se encontravam esses espaços. Lily relata ter questionado alguém da segurança sobre a área PcD e ter sido informada erroneamente que aquele não era o espaço correto. Ela diz ter passado um tempo na área comum da Paddock, sendo empurrada por outras pessoas que tentavam chegar perto da grade do palco, até questionar um segundo funcionário, que confirmou que o espaço sobre o qual ela tinha perguntado antes era uma área para PcD.

Marianna Wille, que também estava na área para PcD da Paddock, relata ter questionado múltiplos funcionários sobre o atendimento para PcD desde a entrada do evento, sem receber resposta. Ela foi informada que não havia fila prioritária na entrada e não recebeu a pulseira obrigatória que sinaliza que ela é PcD, mesmo questionando vários funcionários antes de entrar no evento. 

“Quando eu já tinha entrado, eu procurei alguém do corpo dos bombeiros, ela conversou com alguém e o supervisor me deixou entrar aqui [na área]. Disseram que eu precisava de uma pulseira PcD e eu respondi ‘Eu disse que era PcD desde antes de entrar aqui e ninguém me deu pulseira’,” conta. “[Achei] super mal sinalizado e ninguém soube me informar nada.”

Conversando com a nossa redação, o supervisor da operação de acessibilidade da GP Week esclareceu que pulseiramento e portas de entrada eram de responsabilidade de outra sessão do evento. Desse modo, a fonte do problema foi relatada como inconclusiva.

Confusão com ingressos meia-entrada

Durante o fim de semana, internautas e consumidores foram ao Twitter e à página da Eventim no Reclame Aqui para questionar a atuação da empresa na GP Week. Relatos online começaram a surgir nos dias anteriores ao evento e seguiram se multiplicando durante o fim de semana, vindos de consumidores que alegam ter comprado o ingresso de meia-entrada na categoria ‘Leis Federais’, mas que tiveram os ingressos impressos como ‘Outras Meias’.

A situação se torna problemática porque a categoria ‘Outras Meias’, segundo a divisão da Eventim, é destinada a idosos e PcDs, o que impediria a entrada de estudantes com aquele tipo de ingresso, no entendimento da empresa. Os compradores que estavam com o ingresso impresso na categoria ‘Outras Meias’ e não conseguiam comprovar o benefício enquanto idosos ou pessoas com deficiência foram informados que só teriam a entrada liberada após complementar o valor do ingresso equivalente à inteira. Situações semelhantes aconteceram recentemente em shows de Rosalía e Demi Lovato, também vendidos pela Eventim, mas é a primeira vez que surgem relatos sobre erro de impressão nos ingressos.

“Tenho certeza absoluta de que comprei minha meia estudante. Não tenho dúvidas disso porque eu já estava atenta a casos anteriores, como o do show da Demi Lovato. Quando imprimi o ingresso, não pensei em checar se estava marcado como ‘Leis Federais’ ou ‘Outras Meias’, porque, pra mim, tava tudo certo. Entrei no Twitter no dia do evento e vi pessoas reclamando que tinham comprado o ingresso em uma categoria e ele tinha sido impresso em outra. A página do Reclame Aqui também tinha várias reclamações semelhantes. Quando passei pela bilheteria, meu ingresso foi identificado como ‘Outras Meias’ e fui redirecionada para outra área para pagar a diferença do valor,” conta Vanessa Cruz.

“Selecionei ‘meia estudante’ e acredito [que], por ter esgotado na hora, o site finalizou meu ingresso como ‘outras meias’, no qual não só eu como diversas pessoas foram barradas na porta e constrangidas a não poderem entrar no evento,” diz relato no Reclame Aqui. Uma outra reclamação, postada dias antes do evento, relata: “Tenho quase certeza que selecionei a opção ‘meia entrada estudante’, porém, infelizmente, não consigo comprovar […] Percebi que o ingresso estava como ‘outras meias’ em torno de 15 dias após a compra. Tentei contato via chat e fui informado que não poderia mais realizar nenhum tipo de troca ou cancelamento após 7 dias.”

No dia do evento, a Eventim disponibilizou placas com QR Code nas entradas do Allianz Parque para que os compradores pagassem a diferença dos ingressos de meia-entrada sem comprovante. Em matéria realizada pela Folha de S. Paulo, a coordenadora das áreas técnicas do Procon-SP, Renata Reis, já havia esclarecido, em setembro, que a lei 12.933/2013, que garante meia-entrada para 40% dos bilhetes totais, não divide percentuais para cada categoria e que “a empresa tem que vender de acordo com o fluxo de interesse”. Sendo assim, a demanda de meia-idoso, poderia ser remanejada para o grupo com mais procura, em caso de sobra de ingressos.

Procurado pela equipe do Mad Sound, o atendimento da Eventim ainda não retornou o contato. Essa matéria será atualizada caso haja manifestação por parte da empresa.

Acertos e desafios

Apesar da boa line-up e a localização em estádio próximo ao metrô, a GP Week deve se atentar aos pontos de melhoria relatados por consumidores caso queira alcançar seu lugar como um grande festival de São Paulo. 

Nessa primeira edição, os desafios de sediar um festival longo em um estádio apareceram em forma de filas longas à noite, problemas momentâneos de abastecimento e acúmulo de lixo – soluções podem ser pensadas para uma melhor acomodação do público ao longo do dia de shows. 

A divisão de setores da pista, que foi bastante criticada em um primeiro momento, também é um ponto digno de consideração. Em termos práticos, a existência de um terceiro setor não agrega positivamente na experiência geral e isola ainda mais os compradores do setor pista comum, favorecendo apenas à minoria que consegue pagar o ingresso mais caro. Cabe ao festival, entretanto, decidir se irá manter o setor extra em eventos futuros.

A maior mancha que essa primeira edição enfrentou, no entanto, foram as reclamações referentes à atuação da Eventim e os problemas encontrados pelos compradores de meia-entrada – o que não é um problema do evento em si e sim de responsabilidade da empresa de bilhetes. Muitos consumidores também relataram no Reclame Aqui a dificuldade de estabelecer contato com a Eventim para uma possível resolução dos problemas relatados.

Com ajustes simples a serem feitos, a GP Week pode concretizar o objetivo de se tornar um fim de semana de grande importância para a música e o esporte na cidade de São Paulo mantendo a boa curadoria e se atentando às necessidades do público.

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