O ano era 2017 e Harry Styles precisava desesperadamente provar que era mais que um rostinho bonito. Depois de 5 vertiginosos anos dentro do fenômeno histérico que foi a One Direction, um hiato que encerrou a banda em 2015 fez com que Styles e seus colegas se confrontassem com o fantasma iminente da trágica sina que acompanha os  ex-integrantes de boybands ao longo da história: o esquecimento.

É justo dizer que, pelo menos nesse quesito, o jovem cantor estava um passo a frente dos outros quatro. Ao longo de seu tempo na boyband, Harry assumiu gradualmente o papel de favorito da mídia com seu charme natural e bons modos, além de ser o único de seu grupo a se mostrar interessado em causas sociais como o feminismo e os direitos do público LGBTQIA+. Ainda assim, apesar da febril adoração que a One Direction causava em sua fanbase majoritariamente feminina, o nome da banda e de seus integrantes individualmente permanecia relativamente anônimo para o público geral – um fato alarmante para artistas que estavam acostumados com a fama ensandecedora e a fazer shows em estádios lotados, e que agora precisariam se sustentar apenas com a força do próprio nome.

Ao contrário de alguns de seus ex-companheiros de banda, Harry Styles sempre deixou claro seu respeito e seu carinho pelo tempo que passou na boyband. Entretanto, por mais grato que ele pudesse ser, era evidente que precisava se desvencilhar de ao menos parte do seu passado para ter uma chance de ser levado a sério na indústria da música. Será que o jovem cantor tinha o que era necessário para assumir as rédeas de uma carreira de sucesso? 

A resposta veio logo em seu primeiro single, “Sign Of The Times”. Depois de um ano e meio de silêncio, Harry Styles iniciou sua carreira solo de modo muito peculiar. Com quase seis minutos de duração, a faixa não era nada que se esperaria de um artista pop, muito menos de um que tivesse interesse em conquistar as rádios. De teor profundamente existencialista, a música se inicia ao piano e depois se transforma em uma obra teatral de proporções Bowiescas, com o acréscimo gradual de guitarras, bateria, violino e até mesmo um coral. Séria demais para o mainstream e ousada demais para um ex-integrante de boyband, a faixa serviu a um propósito muito mais importante que agradar às massas: ela chamou a atenção dos críticos – mesmo que nem todos tenham sido muito entusiastas.

Capa do single “Sign Of The Times” apresentava imagética apocalíptica. Créditos: Reprodução/Capa

Enquanto a introdução formal a esta nova fase pode ter sido um choque para a indústria, aqueles que acompanhavam Styles de perto já sabiam de seu amor declarado por bandas do rock clássico como os Rolling Stones, os Beatles e, principalmente, Fleetwood Mac, o que renderia posteriormente uma grande amizade com a vocalista Stevie Nicks. Em sua primeira entrevista de capa para a Rolling Stone, o cantor de então 23 anos deixou claro que não tinha a intenção de fazer um disco que soasse como uma homenagem ao rock de alguma década específica – ele só queria finalmente ter a liberdade de escrever suas próprias músicas e descobrir que tipo de artista gostaria de ser, agora que não precisava mais tomar suas decisões de forma “democrática” por integrar um grupo.

O resultado foi seu álbum de estreia, Harry Styles; um autointitulado de 10 faixas que traz uma foto de capa mostrando um Styles um tanto torturado, de costas para a câmera, envolto em água e com o rosto escondido entre as mãos em um gesto que poderia indicar vergonha, preocupação ou até mesmo um choro ressentido. A cor escolhida para a estética do disco foi um rosa claro, dando um ar de feminilidade e sensibilidade para uma capa que funciona como um prelúdio do que se encontraria do lado de dentro: vulnerabilidade.

Sem grandes pretensões de ser um sucesso comercial, Harry Styles é uma obra delicada de indie pop e rock acústico que literalmente despiu o cantor dos sintetizadores barulhentos e dos grandes refrões da música pop e o apresentou em sua fragilidade com o uso de instrumentos orgânicos, uma banda escolhida a dedo pelo artista, e produção minimalista. É como se Styles renegasse todo o glamour e o brilho dos hits de verão e se apresentasse de forma singela, quase tímida, na maior parte do tempo tentando não chamar muita atenção para si mesmo, porque pela primeira vez estava colocando apenas a si mesmo, nu, em frente aos holofotes.

Para entender o jogo que Styles jogou em seu álbum de estreia, é preciso dissecar alguns aspectos de seu primeiro disco solo, que incluem o minimalismo, o aceno para o rock e a liberdade de compor músicas menos diluídas. Somos introduzidos ao álbum com a assombrosa faixa de abertura “Meet Me In The Hallway”, nada além de violões duplos, uma tímida linha de baixo e vocais fantasmagóricos que ecoam como se fossem cantados do próprio corredor vazio que a música menciona. Logo de entrada, somos apresentados a um aspecto mais sombrio da composição de Styles, que fala de um desespero tão profundo em ser deixado para trás que faz o eu-lírico implorar por morfina para amenizar a dor. Muito diferente dos singles de sucesso que abriam os álbuns da One Direction falando de festas, garotas e diversão.

Com exceção da grandiosidade clássica de “Sign Of The Times”, o Lado A traz uma série de faixas mais contidas e introspectivas. Styles mostra uma refrescante aptidão para o country rock em “Carolina”, uma divertida faixa sobre um interesse amoroso que veio da Carolina do Norte, e encerra com mais duas canções acústicas ao violão: a melancólica “Two Ghosts” para falar dos fantasmas de um amor do passado, e a sensível “Sweet Creature”, um bem-vindo sopro de primavera depois de letras sobre o fim dos tempos, o peso excruciante do vazio existencial e a perda de algo bom que não pode ser recuperado.

O Lado B é onde Styles mostra mais do seu lado dedicado ao rock ‘n’ roll. No início de “Only Angel” ouvimos o mesmo coral e piano presentes na outro de “Sign Of The Times”, mas a atmosfera celestial logo dá lugar ao som de guitarras densas e uma vibe descontraída com ares cinquentistas de um flerte sensual com o ouvinte, enquanto o cantor descreve sua relação com uma verdadeira femme fatale. A narrativa continua na energética “Kiwi”, escolhida como segundo single por seu refrão chiclete e riff de guitarra que induz qualquer um a querer bater cabeça enquanto Styles canta uma de suas composições mais carregadas de teor sexual sobre uma mulher à la “Dirty Diana” que impressiona a todos os homens com sua presença.

Apesar de seus devaneios sobre lindas mulheres ser continuado na lenta e poderosa “Woman” – com um envolvente solo de guitarra no final -, mais do existencialismo pessimista de Harry Styles pode ser ouvido na cortante “Ever Since New York”, um relato doloroso sobre a busca sem resultado pela fé após receber notícias sobre o estado de saúde terminal de alguém de sua família. Seu desespero e solidão são descritos na forma de piscinas vazias, maldições e ruas do bairro do Brooklyn.

O álbum termina em um relato tão honesto e vulnerável quanto o restante de suas composições. A introspectiva “From The Dining Table” soa como uma carta ou uma confissão de Harry a um amor perdido, também nada mais que voz e violão, à exceção de violinos esperançosos enquanto o eu-lírico tenta se manter otimista ao cantar “talvez um dia você me ligue e diga que também sente muito”. Uma ideia ingênua logo refutada pelo silêncio que acompanha a dura verdade dita por Styles: “mas você nunca faz isso”.

Em seu álbum de estreia, Harry Styles fez questão de provar que sabia tocar instrumentos, assinou todas as suas composições e cantou sobre assuntos que eram tabu para o público da One Direction: sexo, drogas, álcool e o peso avassalador de sentimentos como a perda, o luto, o arrependimento, a solidão e o vazio. Ele se afastou dos refrões comerciais e da atmosfera ensolarada para se mostrar um artista que estava mais próximo de um poeta que de um sex symbol; um compositor atormentado por seus próprios sentimentos.

Apesar do sucesso de vendas em seu ano de lançamento, Harry Styles não foi o suficiente para furar a bolha do cantor e apresentá-lo a novos públicos imediatamente. O disco, entretanto, cumpriu com um papel muito importante a ser estabelecido logo nos primeiros passos de sua carreira solo: distanciou Styles da sonoridade de sua antiga boyband e da imagem de bom moço e artista mediano que veio com ela. Mesmo se mostrando um álbum ainda muito cru, talvez não trabalhado o suficiente, ele voltou os olhos da indústria para um ex-One Direction que demonstrava certa maturidade e seriedade em seu trabalho. Depois de provar que sabia fazer mais do que música pop mastigada, o caminho estava livre para quando Styles decidisse revisitar o gênero.

A receita paciente para o sucesso se mostrou vencedora. Dois anos depois, com seu segundo álbum solo, Fine Line (2019), Harry Styles se permitiu voltar para o pop sem medo de antigas comparações e dominou as paradas com o sucesso “Watermelon Sugar”, que finalmente apresentou seu nome e seu trabalho para novos rostos. A aposta de construir sua carreira aos poucos deu resultados ainda mais frutíferos recentemente: em 24 horas, o novo single “As It Was” quebrou o recorde do Spotify de música feita por um homem mais ouvida em um dia, e o artista agora encara uma agenda cheia de shows esgotados em estádios ao redor do mundo. 

Os cinco anos de sucesso crescente da One Direction espelham os cinco primeiros anos da carreira solo em ascensão de Harry Styles, mas com uma significativa diferença entre os dois: enquanto na banda era possível ver o declínio que levaria à queda ao longo dos anos, não há a menor perspectiva de que Harry Styles irá parar.

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