Bebe Rexha começou a carreira há uma década, quando Pete Wentz, do Fall Out Boy, a convidou para assumir os vocais do projeto Black Cards. Dedicada à música desde a adolescência, ela finalmente parece ter encontrado solo fértil para as valiosas sementes de seu talento e terreno seguro para responder, de uma vez por todas e sem disfarces, quem é.

A questão parece absurda se considerarmos o currículo da nova iorquina. Com duas indicações ao Grammy, composições para Rihanna, Selena Gomez e Madonna, e parcerias com David Guetta, Martin Garrix e G-Eazy, Bebe é um nome estabelecido nos bastidores da indústria. Mas quando ela se apresentou no Rock In Rio, em 2019, na segunda passagem pelo Brasil, a reação da maior parte do público repetiu um padrão já visto antes, nos maiores palcos do mundo: o público já sabe – e ama – os sucessos da cantora, mas ainda não a reconhece pelo nome de ascendência albanesa, complicado até para nativos norte americanos. Talvez por isso, em combinação com a simpatia e atenção com os fãs, Bebe esteve entre os shows mais comentados da última edição do festival por aqui.

Aos 31 anos, a artista explora novas texturas da voz única e permite a interferência bem vinda de influências ecléticas de No Doubt, Lauryn Hill e Britney Spears, essa última tangível no refrão da faixa-título e na capa na tonalidade de In the Zone (2003), mas sem perder a própria personalidade peculiar de vista. Construído sobre a base sólida da carreira de Rexha, até então pouco exposta na superfície, Better Mistakes mostra a pegada pop punk herdada dos tempos ao lado de Wentz, e abraça as colaborações estratégicas, com Ty Dolla $ign, Lil Uzi Vert, Rick Ross e Doja Cat entre os convidados.

Esses elementos, mesmo já conhecidos dos fãs, chegam com força renovada para levar o talento potente de Bebe a novas alturas. Sem interferência de uma visão comercial limitada e experimental, Better Mistakes se liberta das tentativas de conquistar playlists feitas pelo empresário anterior da cantora nos EPs da era All Your Fault e não comete os mesmos erros do desconexo álbum de estreia Expectations, de 2018, um trabalho que perde o brilho por manter a lógica de lançamentos individuais ao longo da tracklist que deveria contar uma história sonoramente coesa.

Capa de 'Better Mistakes', de Bebe Rexha
Capa de ‘Better Mistakes’, de Bebe Rexha. Crédito: Divulgação

Nesse novo momento pessoal e profissional, é possível perceber que a ascensão tardia, de acordo com os padrões da indústria, se mostra forte aliada na trajetória musical de Bebe. Diferente de artistas que cresceram com a pressão de ser exemplo para fãs muito jovens, como Demi Lovato, ela não tenta passar uma história de superação, pelo contrário: o álbum começa com uma sequência de músicas dolorosamente honestas sobre a dificuldade de lidar com transtorno bipolar. “Queria um álbum para transmitir minhas partes bonitas, mas também as que estão quebradas”, explicou à Apple Music.

Isso não significa dizer que ser uma mulher na indústria musical seja tarefa simples. Frequentemente questionada pelo corpo fora do padrão de magreza e sentindo a pressão por estar na casa dos 30, Bebe optou por abordar todos esses temas de forma relacionável em diferentes contextos. Em “Baby, I’m Jealous”, single inicial do álbum, o ciúme causado pelos likes do namorado em fotos de outras mulheres traz questões mais profundas sobre o desafio do amor próprio feminino nos tempos da exposição frenética e incessante. “Essa sou eu, uma mulher em dicotomia / Eu me amo, até que não amo mais”, canta no pré-refrão.

Com mais maturidade, ela brilha muito mais quando é a única na faixa – ao menos nos vocais, já que a parceria de Travis Barker em “Break My Heart Myself” está entre as melhores do álbum, com a atitude mais rock n’ roll que apresentou a cantora na Vans Warped Tour, nos tempos do subestimado I Don’t Wanna Grow Up, EP de estreia lançado em 2014.

Logo de cara, conhecemos Bebe Rexha sob efeito da nova medicação para lidar com transtorno de bipolaridade, mostrando a nova atitude da artista com relação ao aconselhamento médico – em “I’m Gonna Show You Crazy” e “I’m a Mess”, ela parecia descrente ao citar a terapia, mas abraça esse aspecto da própria personalidade nas novas composições. Agora, ela cresceu e entende que vai cometer erros, uma noção essencial para qualquer artista nos tempos da cultura do cancelamento, e também para todas as pessoas na missão de manter a saúde mental. A grande questão é saber se existirá evolução mesmo no fracasso.

Bebe Rexha na capa do single "Sabotage"
Bebe Rexha na capa do single “Sabotage”. Crédito: Divulgação

Ao invés de sonhar com a perfeição, as letras reconhecem as lutas no campo emocional sob a perspectiva autobiográfica de uma mulher com dedicação fervorosa aos projetos que assume, ora construtivos como a nova paixão de “Sacrifice” e “Death Row”, ora destrutivos na auto sabotagem e desconfiança em “Sabotage” e “Trust Fall” – tudo isso sem ficar presa nas baladas.

Com atmosfera mais densa, o álbum chega em timing perfeito, lançado no mês de Mental Health Awareness, nos Estados Unidos, e às vésperas do Dia das Mães. Na música final, Bebe sela o compromisso de crescer para além das expectativas da família, sempre presente para apoiar e vigilante para julgar, mesmo com as melhores intenções. Se antes a sensualidade causava problemas com o pai e a boca suja sempre gerava menções nervosas à mãe (“Ela vai me matar”, dizia Bebe), a abordagem da cantora mudou em busca da emancipação total. “Eu te amo tanto, tanto que machuca / Mas isso não quer dizer que vou censurar minhas palavras”, explica carinhosamente em “Mama”.

Better Mistakes cumpre a missão e deixa os erros do passado para trás. Aceitar a própria imperfeição está entre os maiores acertos da cantora, que amplia os horizontes líricos e sonoros, carregando consigo apenas o que existe de mais essencial na sua arte: letras honestas, melodias surpreendentes, vocais hipnotizantes e a mensagem de tentar fazer o melhor com cada parte de si.

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