Em abril, Deb and the Mentals lançou seu segundo álbum de estúdio, Babilônia, sucessor do aclamado Mess (2017) e também o primeiro projeto da banda feito inteiramente em português.
Formada por Deb Babilônia (vocal), Ricardo Dom (guitarra), Bi Free (baixo) e Tonhão (bateria), a banda se volta para a sua língua materna para expressar com mais propriedade suas frustrações mais pessoais e mais profundas. “Babilônia” é o sobrenome da vocalista Deb, mas também é o nome de uma das maiores civilizações da antiguidade, que veio a ser completamente extinguida deixando para trás apenas ruínas e memoriais. É com essa ideia da impermanência e efemeridade, mesmo das coisas mais grandiosas, que entramos em Babilônia.
A capa traz os quatro integrantes com os rostos borrados, como se seus pensamentos passassem por eles acelerados, borrando sua própria identidade. Durante 10 faixas e 25 minutos de duração, Deb and the Mentals apresenta mais de seu rock alternativo meio anos 90/2000, com referências no grunge e no punk, trazendo um som mais sujo, sem se preocupar com lapidações sonoras ou o perfeccionismo do rock mainstream. O disco é uma explosão de emoções raivosas e também reflexivas sem filtro, repleto de efeitos sonoros, guitarras pesadas e bateria agressiva.
A introdução, “X”, com participação de Cris Botarelli, do Far From Alaska, nos apresenta ao álbum com o som de uma explosão que parece estar sendo desintegrada e desconstruída aos poucos até se encontrar com sons eletrônicos, quase alienígenas, que desaguam na poderosa “Maratona”. Começando com bateria forte, semelhante ao som de tambores de guerra, a faixa fala de uma inquietação do eu-lírico com a realidade à sua volta, uma vontade de fugir de si mesma e uma primeira introdução ao tema da inconstância com o questionamento: “Pra que lado eu olho se nada aqui para?”
Depois de dois anos de pandemia, a impermanência das coisas e o medo do futuro se tornam cada vez mais nítidos, assim como uma série de questionamentos sobre quem somos, tanto em uma esfera pessoal quanto no coletivo e em sociedade. Em “Rouca”, Deb usa o poder de sua voz para gritar pelo seu direito de não se calar enquanto mulher e também de ocupar seu próprio espaço, declarando “Daqui eu não saio mais” e “Não me calarão, não / Eu voltarei, sim, mais rouca”.
O lado punk dá as caras pela primeira vez em “Antissentimental”, uma curta e explosiva faixa de protesto ao individualismo e à indiferença de se anestesiar para o sofrimento alheio em busca da própria satisfação. Mais adiante, esse som punk é retomado em “Bipolar”, uma faixa acelerada e dinâmica sobre um turbilhão de sentimentos e pensamentos contraditórios, se alternando entre “Eu quero viver / Não quero viver”, aparentemente ligados à codependência emocional por outra pessoa e aos altos e baixos de uma relação que transita entre o alívio pelo fim e a agonia da ausência. Na faixa seguinte, “Cansada”, Deb canta sobre estar cansada de gostar de alguém que não a valoriza o suficiente “todo dia, toda vez”, mesmo com mentiras e negligências.
Um dos destaques do álbum e também a mais ouvida nas plataformas digitais é a reflexiva “Letargia”, que fala sobre ser tomada por um grande sentimento de apatia que consome até mesmo seus maiores desejos e suas maiores preocupações. “Eu não sei o estrago se nem a ausência me incomoda”, canta Deb. O alcance maior dessa canção pode ser um sintoma de como o público alternativo tem se identificado cada vez mais com essa sensação letárgica, provavelmente acentuada pela pandemia e os quase dois anos de inércia e restrição – além de ter trazido grandes questionamentos sobre o sentido da vida.
Babilônia se encerra com “Ópera da Loucura”, uma faixa de fato bastante “fora da caixinha” que conta com a participação de Jão, do Ratos de Porão, enquanto Deb narra com voz falada alguns versos que pintam uma cena sobre andar pela rua “entre deuses e ratos, disputando espaço num lugar vazio”. A música termina com uma retomada de “X” sendo tocada ao reverso, fazendo do álbum um ciclo completo, repetitivo e que nunca se quebra – muito como o nosso cotidiano, povoado pelos mesmos sofrimentos e alegrias.
Em seu segundo disco de estúdio, Deb and the Mentals mostra muito dos anseios tanto pessoais de seus integrantes quanto também da cena underground do rock nacional – a necessidade de um espaço para gritar, para ocupar, para fincar os dois pés e fazer barulho, acompanhada também de um certo desânimo com o cenário atual. Apesar de toda e qualquer letargia, porém, dentro da música pesada a inconformidade sempre fala mais forte, e é através do movimento e das reinvenções que se constroem novas Babilônias, prontas para serem destruídas e reerguidas quantas vezes for necessário.
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