A previsão era de tempo frio e nublado, mas o sol aqueceu o fim de semana do Primavera Sound São Paulo nos dias 05 e 06 de novembro. O festival importado de Barcelona teve sua primeira edição no Brasil e surpreendeu em qualidade de line-up e organização geral.

Foram dois dias bastante intensos e movimentados, com atrações distribuídas entre os cinco palcos espalhados pelo Distrito Anhembi. Enquanto os principais nomes se dividiram entre os palcos Beck’s e Primavera, os fãs de música eletrônica podiam dançar o dia inteiro no Palco Bits – localizado em uma área fechada, próxima à praça de alimentação. Grandes promessas e nomes em ascensão se juntaram no Palco Elo. 

As apresentações mais intimistas foram destinadas ao Auditório Barcelona; um espaço menor, também em uma área interna, e sujeito a lotação e disponibilidade, onde se apresentaram nomes como Tim Bernardes, Josyara, Jonathan Ferr e muitos outros. O Mad Sound esteve lá cobrindo algumas das principais atrações e trouxe um resumo com alguns dos destaques do fim de semana.

Destaques de sábado – 05 de novembro

Contrariando a promessa de tempo frio, a tarde de sábado foi agraciada com sol quente e céu aberto, apesar do vento cortante que foi se intensificando conforme a noite caía. Enquanto o dia ainda era verão, o palco Primavera recebeu Liniker com um show tão caloroso quanto o sol que saiu de surpresa.

Celebrando o bom tempo, a cantora esbanjou carisma e simpatia, vestida de rosa neon assim como o restante de sua excelente banda. Com muita cor e emoção, Liniker encheu os olhos e os ouvidos de quem estava no espaço Primavera com sua voz potente e profundamente tocante. Entregou um show apaixonado, emotivo, mas também muito divertido. A cantora sambou no palco, interagiu com o público e lembrou o resultado das recentes eleições para a presidência ao celebrar a democracia.

Mais tarde, foi a vez de Björk subir ao mesmo palco. A cantora islandesa pegou todos de surpresa ao escolher não se apresentar com seu habitual DJ set, especialmente após o lançamento de seu álbum mais recente, Fossora (2022). A artista que não vinha ao Brasil há 15 anos escolheu fazer uma performance completa junto à orquestra brasileira Bachiana Filarmônica – uma tradição que ela repete em cada país que visita.

A decisão pode ter emocionado os fãs, mas o público geral não recebeu bem a performance de tom mais monótono. Grande parte da plateia se dispersou após ouvir poucas músicas, provavelmente também irritada com o pedido da cantora exibido no telão, orientando aos presentes a não fazer fotos e vídeos de sua apresentação. Björk também sofreu com som baixo, tanto de seu microfone quanto da orquestra, o que dificultou a imersão nesse momento delicado, mesmo com um belo pôr-do-sol ao fundo.

O problema no som do palco também afetou a performance de Mitski, cerca de uma hora mais tarde. Durante metade de sua apresentação, a calibragem do som da cantora deixou seu microfone baixo enquanto os instrumentos soavam acima do volume considerado agradável. Foi difícil ouví-la no começo, mas a artista compensou a falha com sua performance hipnotizante e apaixonante de dança performática.

Cheia de emoção e expressividade, Mitski ocupa o palco e seu espaço como ninguém, propiciando um espetáculo de músicas com letras soturnas e reflexivas, e coreografias profundamente simbólicas e ilustrativas do que está sendo dito. Ao fim do show, o problema de som foi resolvido, mas já tinha ficado esquecido em meio à energia da apresentação. A plateia de fãs fiéis estava ensandecida com a apresentação da cantora e ela foi capaz de reter público mesmo com uma setlist que terminava poucos minutos antes da grande atração da noite.

No palco Beck’s a maior multidão do dia se juntou para ver Arctic Monkeys. O que mais desagradou foi a localização e a configuração do palco dos headliners; o Beck’s se encontrava em um trecho arborizado do Distrito Anhembi, o que atrapalhou a visão daqueles que ficaram mais para trás. Algumas pessoas chegaram até a subir nas árvores e nos canteiros para tentar enxergar melhor. Cientes do problema de visibilidade, a organização do Primavera Sound montou uma grande variedade de telões no Palco Beck’s, tanto aos lados do palco quanto em cima, e alguns também mais atrás, para quem ficasse muito afastado. A ação facilitou muito a visibilidade, apesar de algumas pessoas online relatarem que também não conseguiam ver os telões com clareza.

Assim como no palco Primavera, o som não estava tão alto quanto o adequado para o tamanho da plateia, mas não houve um problema de calibração dos instrumentos e da voz, como aconteceu com Mitski. O show anterior, do Interpol, teve atmosfera descontraída e agitada, mas também não soava tão alto e nítido quanto a banda merecia ao entregar um show de qualidade. Mais favorecido foi Helado Negro, que se apresentou à tarde com som reverberante e ofereceu um show relaxante e calmo, fazendo grande uso de sintetizadores para criar uma vibe chill.

Os britânicos do Arctic Monkeys não decepcionaram os fãs e entregaram uma setlist rica e inteligente, repleta de sucessos da carreira estrategicamente misturados às músicas de seu novo álbum, The Car (2022). Sabendo da predileção do público por canções mais antigas, a banda intercalou faixas recentes (de sonoridade não tão popular) com favoritas do álbum AM (2013), criando um show dinâmico e hipnotizante, especialmente com a figura de Alex Turner guiando a performance. De terno e óculos escuros, ele se inclina sobre o microfone, toca guitarra e mostra que ainda sabe cantar suas canções com a mesma precisão vocal de uma gravação de estúdio.

Alex Turner em show do Arctic Monkeys no Primavera Sound São Paulo. Créditos: Reprodução/Facebook/Primavera Sound

Destaques do domingo – 06 de novembro

No domingo, o público já estava mais familiarizado, tanto com a configuração do Distrito Anhembi quanto com o clima. No dia anterior, muitas pessoas abriram mão dos famosos “looks de festival” por conta da previsão do tempo que prometia um dia frio, mas depois de constatarem que o sol aparece pela maior parte do dia, as roupas coloridas e modernas tomaram conta do dia seguinte, proporcionando um verdadeiro desfile de moda.

Com o problema do volume completamente resolvido, as atrações do domingo conseguiram brilhar ainda mais. Terno Rei fez um excelente show à tarde, com céu azul e sol brilhante, repetindo um curioso feito que também aconteceu no Lollapalooza Brasil 2022 – a previsão do tempo errada, que é mencionada de forma quase profética na canção “Dia Lindo”. Com bastante espaço, boa parte do público se sentou na grama para curtir o show da banda indie paulistana, que caprichou na setlist com músicas dos álbuns Gêmeos (2022) e Violeta (2019), e foi favorecida com som alto e bem nítido.

O grupo japonês CHAI trouxe parte da cultura oriental para o Palco Beck’s, com muita cor, punk rock e coreografias bem detalhadas, enquanto Japanese Breakfast fez sua primeira performance no Brasil com show delicado e demonstrou estar bastante feliz com a recepção em nosso país. Mais tarde, Jessie Ware colocou todo mundo para dançar, vestindo um figurino brilhoso e prateado, e entregando uma performance repleta de coreografias e sons pop com referências disco.

No palco Primavera, se concentraram duas das atrações mais esperadas do dia. Phoebe Bridgers entrou no palco com sua banda ao som de thrash metal, o que em nada condiz com a performance que veio à seguir. Vestida com o famoso figurino que remete a um esqueleto, Phoebe mostrou por quê é um dos nomes mais falados da cena indie atualmente. Com letras fortes e cortantes, a cantora de olhar sonhador se perde no palco e na multidão, trazendo nos olhos um tipo de tristeza silenciosa – a marca de um observador introspectivo.

Toda a performance foi sensível e hipnotizante. A artista alternava entre tocar violão e guitarra enquanto luzes tecnicolor nas cores azul, vermelha e verde banhavam seu rosto de forma cinematográfica. Suas canções trazem uma sensação que remete ao clima frio de outono com bastante neblina. Em um dos momentos mais marcantes, ela apresentou a cortante canção “Chinese Satellite” como uma faixa escrita sobre o aborto. Phoebe declarou prontamente que todas as pessoas deveriam ter acesso ao aborto seguro e legal e admitiu que ela mesma já realizou um.

Phoebe Bridgers no Primavera Sound São Paulo. Créditos: Reprodução/Facebook/Primavera Sound

Logo em seguida foi a vez de Lorde, que retornou ao Brasil pela primeira vez desde 2018 e não poderia estar mais feliz com isso. Esbanjando simpatia, a cantora repetiu várias vezes o quanto estava contente em estar novamente em terras brasileiras, especialmente um dia antes de seu aniversário. A proximidade da data deixou Lorde nostálgica e reflexiva, e a cantora fez um discurso de 3 minutos agradecendo os fãs brasileiros pelo carinho e contando o quanto fica emocionada por saber que as músicas que ela escreveu quando adolescente encontram um lugar em pessoas do outro lado do mundo que se sentem como ela. Logo em seguida, ela cantou a dilacerante “Liability”.

O show de Lorde foi carismático e potente. No palco, ela desfrutava de uma plataforma cenográfica giratória que continha também uma escada, onde ela e sua banda começaram a performance com “The Path”. A cantora mesclou canções de seus três álbuns e celebrou o poder do verão, abordado no disco Solar Power (2021). Ela também incluiu a canção “Bravado” na setlist a pedido dos fãs brasileiros, que fizeram a canção alcançar o #1 no iTunes Brasil. Além de ser calorosa, ótima performer e cantora, Lorde também fez menção às eleições presidenciais brasileiras, demonstrando contentamento por termos um novo presidente eleito.

Foi um show dedicado à adolescência – tanto dela quanto de seu público – de forma poderosamente catártica com a chegada da idade adulta. O público pulou muito com “Ribs”, “Greenlight” e “Supercut”, mas a surpresa da noite ficou por conta da participação de Phoebe Bridgers, que retornou ao palco para cantar “Stoned At The Nail Salon” com Lorde.

Ao final da noite, o headliner Travis Scott se apresentou no Palco Beck’s com um show explosivo, com direito a pirotecnia, show de luzes e setlist extensa. O rapper se apresentou em uma plataforma suspensa que mudava de altura com o passar do show. Conhecido por manter o semblante sério em suas performances, Scott se abriu em sorrisos mais de uma vez, chamou um fã ao palco e cantou ininterruptamente por uma hora e meia, dançando e pulando nos trechos com playback de base. Ele encerrou a performance com um medley de seus dois maiores sucessos, “Sicko Mode” e “Goosebumps”.

Parte da plateia que dispersou do show da Lorde, entretanto, não foi ver Travis Scott, mas se dirigiu ao Palco Elo, onde o set de Arca tinha acabado de começar. Nome importante da música eletrônica, a artista reuniu tantos curiosos que seu palco teve superlotação e precisou ser interditado para que outras pessoas não entrassem. 

Já na madrugada, os corajosos ficaram para presenciar Father John Misty, Caroline Polachek, MC Dricka e Charli XCX. Essa última lutou especialmente com o horário desfavorável – sua performance acabou às 2h do domingo, horário ruim para aqueles que trabalhariam no dia seguinte. Mesmo assim, o público que se reuniu para ver Charli era grande e animado, pulando e vibrando com o set da cantora. Alguns espectadores que estavam presentes, porém, relatam que mesmo gostando das músicas da artista se desapontaram com a performance. Segundo relatos, a cantora fez uso excessivo de playback, cantou pouco e tentou animar a plateia principalmente através do DJ set – o que funcionou muito bem com seus fãs. Ela se apresenta com show solo e horário mais confortável nesta quarta-feira, 09, na Audio.

Com abundância de atrações e horários que se encontram, foi bastante difícil acompanhar tudo que rolou no Primavera Sound São Paulo. Atrações menores e por vezes mais interessantes competiram com horários de grandes nomes e era preciso fazer uma escolha. A distância entre palcos também desanimava um pouco quem não queria enfrentar a caminhada de 20 minutos entre uma ponta e outra do Distrito Anhembi, e tornava difícil acompanhar algumas setlists inteiras. Várias vezes uma parte do público dispersou na metade do set de outro artista para conseguir chegar a tempo ao show de outro nome de interesse.

Quanto à qualidade dos artistas, porém, o Primavera Sound não decepcionou, proporcionando uma grande variedade de nomes da música indie e alternativa, e despertando curiosidade e ansiedade para as próximas edições do festival. Captando o público carente de atrações indie que não aparecem mais em tanto peso no Lollapalooza Brasil, o Primavera Sound São Paulo conquistou neste fim de semana um lugar no coração do público alternativo.

Charli XCX no Primavera Sound São Paulo. Créditos: Reprodução/Facebook/Primavera Sound
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