Faz apenas um ano desde que o Måneskin arrebatou o mundo com seu segundo álbum de estúdio, Teatro d’Ira Vol. 1. Apesar de ainda não termos notícias sobre o provável Vol. 2, o quarteto italiano já tem data marcada para vir ao Brasil, passando pelas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo – ambas ansiosas para recebê-los pela primeira vez.

A escalada do Måneskin aos charts do mundo inteiro se deu de forma muito rápida após sua vitória na competição musical Eurovision de 2021. Se seu álbum de estreia, Il ballo della vita (2018) passou despercebido pela comunidade internacional, o mesmo não aconteceu com o Teatro d’Ira Vol. 1. O disco não só ficou em primeiro lugar nos charts italianos, mas também na Finlândia, Lituânia, Suécia e mais 13 outros países, aparecendo com destaque também no Japão, Reino Unido e Estados Unidos.

Muito da popularidade do Måneskin se deve à viralização de uma versão do clássico “Beggin’”, do The Four Seasons, que a banda gravou originalmente durante sua participação no The X Factor da Itália, em 2017. Quem acredita que o grupo é uma “banda de uma música só”, porém, está muito enganado; apesar de seu álbum de estreia pós-X Factor impressionar pouco, a qualidade que o quarteto trouxe para seu segundo disco mudou o jogo completamente a seu favor.

Capa de 'Teatro d'Ira Vol. 1', do Måneskin
Capa de ‘Teatro d’Ira Vol. 1’, do Måneskin. Créditos: Reprodução/Capa

Teatro d’Ira Vol. 1. é um disco completo de hard rock que acentua as melhores qualidades do Måneskin enquanto um quarteto. Provavelmente insatisfeitos com o som comercial e pouco original de Il ballo della vita, a banda fez de seu álbum seguinte um manifesto e uma prova de que são músicos sérios, comprometidos e de forte personalidade, mesmo com a pouca idade (na época da gravação, eles tinham entre 20 e 22 anos).

Durante 8 faixas e apenas 29 minutos, somos apresentados a um mundo explosivo e cheio da rebeldia italiana juvenil. O próprio título, Teatro d’Ira, faz referência ao primeiro romance da série de livros Chamas do Império, que apresenta uma trama repleta de não-conformidade e desafios às hierarquias opressoras da sociedade. Com suas roupas desafiadoras de gênero e uma postura abertamente sexual e progressiva, é fácil pensar no Måneskin como mais que uma banda – eles são jovens fortemente politizados que usam da arte e do espaço midiático para incentivar as liberdades individuais e criticar toda forma de repressão.

A maior parte das composições de Teatro d’Ira Vol. 1 toca exatamente nessas questões, além de abordar temas de insatisfação e dúvida, tanto em uma escala societal quanto em um âmbito pessoal de uma procura por seu lugar no mundo e reconhecimento. Os que não sabem italiano podem precisar recorrer às traduções online para entender o que está sendo dito, mas o teor da mensagem é passado perfeitamente através do som, deixando a letra em segundo plano.

Como um quarteto, cada integrante do Måneskin assume uma única função, e cada uma delas tem sua força e identidade dentro de suas músicas. Todas as faixas de Teatro d’Ira Vol. 1 foram escritas pela banda e gravadas ao vivo para preservar sua dinâmica enquanto grupo – uma escolha que se provou muito acertada e conferiu nova potência ao som. 

Uma das características condutoras do álbum é a força da guitarra de Thomas Raggi, que abre o disco com o riff imediatamente energizante da excelente “ZITTI E BUONI”. Sua performance é quase sempre acompanhada por uma conversa com a bateria marcante de Ethan Torchio e as linhas de baixo de Victoria De Angelis, que normalmente trilham seu próprio caminho e acrescentam uma nova camada de interesse ao que está sendo ouvido. A peça central do quebra-cabeça, entretanto, fica por conta dos vocais roucos e cheios de vitalidade de Damiano David. Com uma performance vocal que beira o teatral, David carrega suas palavras de emoção e intenção, o que passa a mensagem de forma clara mesmo para aqueles que não entendem italiano. Sua habilidade de transmitir suas intenções através da voz quebra a barreira linguística e amarra tudo o que está sendo passado através da parte instrumental.

Apesar da presença das faixas em inglês “I WANNA BE YOUR SLAVE” e “FOR YOUR LOVE”, que complementam o restante do álbum de forma bastante natural e apelam para uma audiência mais internacional, o Måneskin mostra seu maior potencial nas composições em italiano. Exemplos melhores e menos comerciais de seu hard rock transgressor estão em “LIVIDI SUI GOMITI”, “IN NOME DEL PADRE” e “LA PAURA DEL BUIO”, claramente influenciadas também pelo metal. Como faixas que não foram feitas para o rádio, elas mostram uma maior liberdade criativa da banda e são responsáveis pelo efeito de “porrada” que o álbum carrega.

Com tudo isso acontecendo, o Måneskin ainda conseguiu guardar espaço para a vulnerabilidade sensível em dois momentos do disco. O primeiro é em “CORALINE”, uma canção que merece destaque não só por diminuir a energia logo após a faixa de abertura, mas pela inteligência de sua estruturação. Com delicadeza, a banda conta uma história triste em cinco atos que são muito bem divididos pelas várias quebras e mudanças de direção melódica que se intercalam bem e oferecem diferentes características para cada parte do conto, sempre crescendo em intensidade.

A outra é na faixa de encerramento “VENT’ANNI”,  um desabafo reflexivo sobre o peso das incertezas da juventude e a grande busca por abraçar o mundo. A canção se mantém bastante consistente em sua calmaria e encerra uma grande sequência repleta de raiva e inconformidade trazendo uma característica mais íntima e pessoal para tanta rebeldia.

Maneskin
Maneskin. Créditos: Reprodução/Facebook

Apesar da pouca idade e de ter sido acolhido pelo público jovem, o Måneskin mostra em Teatro d’Ira Vol. 1 uma musicalidade bastante madura e com o profissionalismo de gente grande. Uma pesquisa realizada pela Viberate apontou o quarteto italiano como um dos grandes responsáveis por “reavivar” o rock nas grandes plataformas e no mainstream, citando também a influência do TikTok

Mesmo com o crescente número de artistas buscando uma sonoridade próxima ao pop punk atualmente, o contato da nova geração com verdadeiros nomes do rock de idades semelhantes ainda se mantém bastante escasso com a presença remota desses nomes no mainstream – um jogo que o Måneskin se mostra capaz de virar. Sem se afastar de temas que são conhecidos e vividos por pessoas de sua idade e recusando-se a diluir seu som para algo mais “mastigável”, a banda faz um trabalho necessário de não subestimar sua audiência e vai na contramão das tendências musicais cada vez mais facilitadoras.

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